quarta-feira, setembro 29, 2010


DONA FLOR

E SEUS DOIS

MARIDOS


Episódio Nº 237


O professor Epaminondas Sousa Pinto, circunspecto e monarco, amava os provérbios e frases feitas, encontrando nesses ditos um resumo de sabedoria dos séculos, a expressão de verdades eternas.

“A felicidade não tem história, com uma vida feliz não se faz romance”, respondeu, quando Chimbo, aquele parente importante do finado, lhe perguntara por dona Flor, a quem não via há anos, desde o absurdo carnaval (há quantos anos, dois ou três) do enterro do estroina.

- Pois casou de novo e é feliz… Faz um ano, mais ou menos, que uniu a sua sorte à do doutor Teodoro Madureira…

- E que mais lhe sucedeu?

- Que eu saiba, nada… – e para não perder a ocasião, colocou o adágio: - Como bem diz o povo, a felicidade não tem história…

Chimbo, experiente da vida, concordou:

- É isso mesmo. Quando sucede alguma coisa é quase sempre para aporrinhar o juízo da gente… Se eu lhe contasse… Ouça…

Abriu o peito: naquela sua idade, provecta, professor!, fora se meter com moça de dezanove anos – donzela, não, mas quase. Um velhaco aplicando o golpe do noivado, comera-lhe os tampos, mas o fizera atabalhoadamente, com muita pressa, deixando uns restos do cabaço que Chimbo, vindo consolar e proteger, arrematara… Resultado, meu nobre professor: a moça de barriga e ele com aquela responsabilidade…

O professor Epaminondas Souza Pinto, de vida ilibada não teve conselho nem consolação para o desassossego do ilustre homem público, e, à falta de um bom parecer, deu-lhe parabéns pela “auspiciosa gravidez”.

Tampouco temos nós consolo ou prudente aviso para mestre Chimbo, sequer tempo e espaço – e de todo esse incidente aproveitamos apenas a verdade contida no refrão: na feliz existência de dona Flor e do doutor Teodoro nada mais aconteceu cuja narrativa se imponha, não sendo nosso desejo alongar essa crónica, já substanciosa, com o relato de um quotidiano de bonança monótona e insípida matéria antiliterária.

A própria dona Flor, noticiarista de miudezas em sua parca correspondência familiar, em carta à irmã Rosália, às vésperas do primeiro aniversário de seu matrimónio com o farmacêutico dizia-lhe nada ter a contar, de importância.

Enchera as páginas com as notícias dos parentes e vizinhos (durante aqueles anos Rosália acabara conhecendo de nome aquela gente toda, através da irmã). Contara de tia Lina com seus achaques, tio porto não envelhecia. Dona Rozilda sempre em Nazareth, pobre Celeste! Marilda, de sucesso em sucesso, agora na Rádio Sociedade e com a promessa de gravar um disco. De dona Norma relatava uma história, uma graça (“é preciso conhecer Norminha pessoalmente, vale a pena”): convidada numa terça-feira para ir no sábado seguinte a um baptizado, se recusara “porque no sábado já estava comprometida com um enterro. Como sabe que no sábado tem um enterro, Norminha, se ainda é terça-feira?” Ora como… estava um conhecido seu para esticar e certamente o faria na noite de sexta para sábado para assim aproveitar a semana-inglesa e ter um enterrão. Dona Gisa, de regresso, trouxera de New York um cachorro, “desses que são
direitinho uma linguiça”, e, para dona Flor, uma prenda linda, um broche.

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