DONA FLOR
E SEUS DOIS MARIDOS
Episódio Nº 246
Também poucos vestidos elegantes para usar. Os trapos derradeiros eram um misto de remendos e de sujo. Vendera, peça a peça, tudo quanto possuíra. A última jóia, a que conservara por mais tempo (tinha sido herança de família), dela se desfizera certa madrugada, há uns dez anos (mais ou menos, Madame Claudette há muito deixara de contar meses e anos) quando, já no declínio exercia na Rua de São Miguel, michê barato. Vadinho, parceiro insensato mas galante, lhe oferecera montes de dinheiro e levara o colar azul-turquesa.
Naquela hora, ali diante daquela mesa da roleta, no instante exacto de fazer o jogo, no giro da derradeira bola, Madame Claudette sem fichas, sem vintém e sem esperanças, recordou Vadinho. Com lucro ou perda, na noite de sorte ou na urucubaca, jamais deixara de lhe oferecer pelo menos uma ficha de dez tostões e seu palpite. De uma feita ele quase estoura a banca no Casino Tabaris, saiu com os bolsos abarrotados de dinheiro, foi para zona festejar com uma carrada de amigos, bebendo aqui e ali. Lá chegando distribuíra entre as mulheres, como um rei da Carochinha, cédulas de cinco e dez mil réis, algumas de vinte e de cinquenta. Foi um delírio, as vagabundas o carregaram em procissão.
Se Vadinho fosse vivo, se estivesse ali, uma ficha ao menos lhe daria, garantindo-lhe um bife com feijão e o maço de cigarros, fazendo-o ao demais com aquele seu sorriso trêfego, com insolente graça, a lhe dizer: “Ao seu dispor, Madama, ao seu serviço”. Madame respondia: “Merci, mon chou”, ia jogar. Mas, ah! ele morrera moço num carnaval, se não lhe falta a memória gasta.
No momento exacto em que o recordou, então sucedeu: ia Chastinet, o crupiê perfeito, recolher e pagar a última bola, as mãos cheias de fichas – de cem, de duzentos, de quinhentos: as de quinhentos eram grandes, de madrepérola, uma beleza – quando lhe deu uma coisa, uma agonia, como se lhe atravessassem o corpo. Soltou um grito rouco e breve, suspendeu os braços e abriu as mãos, as fichas rolaram no tapete.
Activos, os malandros se precipitaram, foi uma confusão de homens e mulheres curvados na disputa. Só Madame Claudette, de tão confusa e em desespero, nem teve forças para se atirar naquele rolo, ficou parada, enquanto Chastinet, já recomposto, punha-se de joelhos para recolher as sobras. Também Granuzo, chefe de sala, veio correndo para salvar o que pudesse. Sobrou ficha para todos, menos para ela, atónita.
No decote de pelancas, sentiu Madame Claudette a mão lhe colocar uma das grandes, das de madrepérola, das de quinhentos, dinheiro de sobra para pagar o quarto e garantir uma quinzena de almoços.
“A seu dispor, Madama, a seu serviço, pareceu-lhe ouvir aquela voz de astúcia e picardia. “Merci, mon chou” respondera no costume antigo. Tomou o caminho da caixa para remir sua fortuna, sendo demasiado velha e sofrida para buscar explicação. Um dos jogadores certamente, com generosidade e rapidez lhe pusera no decote uma daquelas fichas afanadas. “Merci, mon vieux” fosse quem fosse.
Também poucos vestidos elegantes para usar. Os trapos derradeiros eram um misto de remendos e de sujo. Vendera, peça a peça, tudo quanto possuíra. A última jóia, a que conservara por mais tempo (tinha sido herança de família), dela se desfizera certa madrugada, há uns dez anos (mais ou menos, Madame Claudette há muito deixara de contar meses e anos) quando, já no declínio exercia na Rua de São Miguel, michê barato. Vadinho, parceiro insensato mas galante, lhe oferecera montes de dinheiro e levara o colar azul-turquesa.
Naquela hora, ali diante daquela mesa da roleta, no instante exacto de fazer o jogo, no giro da derradeira bola, Madame Claudette sem fichas, sem vintém e sem esperanças, recordou Vadinho. Com lucro ou perda, na noite de sorte ou na urucubaca, jamais deixara de lhe oferecer pelo menos uma ficha de dez tostões e seu palpite. De uma feita ele quase estoura a banca no Casino Tabaris, saiu com os bolsos abarrotados de dinheiro, foi para zona festejar com uma carrada de amigos, bebendo aqui e ali. Lá chegando distribuíra entre as mulheres, como um rei da Carochinha, cédulas de cinco e dez mil réis, algumas de vinte e de cinquenta. Foi um delírio, as vagabundas o carregaram em procissão.
Se Vadinho fosse vivo, se estivesse ali, uma ficha ao menos lhe daria, garantindo-lhe um bife com feijão e o maço de cigarros, fazendo-o ao demais com aquele seu sorriso trêfego, com insolente graça, a lhe dizer: “Ao seu dispor, Madama, ao seu serviço”. Madame respondia: “Merci, mon chou”, ia jogar. Mas, ah! ele morrera moço num carnaval, se não lhe falta a memória gasta.
No momento exacto em que o recordou, então sucedeu: ia Chastinet, o crupiê perfeito, recolher e pagar a última bola, as mãos cheias de fichas – de cem, de duzentos, de quinhentos: as de quinhentos eram grandes, de madrepérola, uma beleza – quando lhe deu uma coisa, uma agonia, como se lhe atravessassem o corpo. Soltou um grito rouco e breve, suspendeu os braços e abriu as mãos, as fichas rolaram no tapete.
Activos, os malandros se precipitaram, foi uma confusão de homens e mulheres curvados na disputa. Só Madame Claudette, de tão confusa e em desespero, nem teve forças para se atirar naquele rolo, ficou parada, enquanto Chastinet, já recomposto, punha-se de joelhos para recolher as sobras. Também Granuzo, chefe de sala, veio correndo para salvar o que pudesse. Sobrou ficha para todos, menos para ela, atónita.
No decote de pelancas, sentiu Madame Claudette a mão lhe colocar uma das grandes, das de madrepérola, das de quinhentos, dinheiro de sobra para pagar o quarto e garantir uma quinzena de almoços.
“A seu dispor, Madama, a seu serviço, pareceu-lhe ouvir aquela voz de astúcia e picardia. “Merci, mon chou” respondera no costume antigo. Tomou o caminho da caixa para remir sua fortuna, sendo demasiado velha e sofrida para buscar explicação. Um dos jogadores certamente, com generosidade e rapidez lhe pusera no decote uma daquelas fichas afanadas. “Merci, mon vieux” fosse quem fosse.
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