terça-feira, outubro 19, 2010

DONA
FLOR


E SEUS
DOIS


MARIDOS


Episódio Nº 247



Dona Flor despertou em sobressalto já o doutor Teodoro tomara seu banho, fizera a barba, começava a mudar a roupa.

- Dormi demais…

- Minha querida, você deve estar morta de cansaço, é natural. Não é brincadeira preparar um bródio como o de ontem e depois receber as pessoas, atendê-las… Você precisa de descansar. Por que não fica na cama? Eu me arranjo com a empregada…

- Na cama? Se não estou doente…

Saiu do leito de ferro, arrumou-se às pressas: tomavam juntos o café pela manhã, e dona Flor fazia questão de pôr o cuscuz no fogo, somente ela preparava a massa ao gosto do marido, leve e fofa, para isso usando uma pitada de tapioca em pó.

Cansaço, sim, mas não da festa; fatigada da noite insone, o ouvido à escuta como nos outros tempos, à espera dos passos pela rua, altas horas. Além da preocupação: notara por acaso, Teodoro, alguma diferença em seus modos quando do festejo principal com que encerraram as brilhantes comemorações do aniversário? Não era quarta-feira nem era sábado mas dona Flor tinha vestido a camisola nupcial e o doutor disser.

- Que lembrança mais gentil, querida. Há ocasiões que se impõem e me perdoe se hoje abuso, rompendo o calendário… - era sempre tão prudente e delicado, que a mulher não ficaria cativa da sua educação?

Aquiesceu dona Flor, mas com os sentimentos em desordem. Seus lábios nachucados, a boca em fogo, a adusta língua guardavam o sabor picante de Vadinho, seu ardido gosto, e assim o beijo, com que o doutor invariavelmente dava início a seus transportes, lhe soube chocho e insípido.

De todo confusa, ela se perdeu, rompendo-se a coordenação justa e perfeita a fazê-los uníssonos no prazer casto, porém impetuoso. Conturbada, não acompanhou o marido passo a passo como de hábito, e lá se foi ele primeiro enquanto dona Flor só no bis (pois houve bis) conseguiu soltar-se da prisão dos nervos tensos. Jamais se dera assim, com tanto desacerto, quase uma repetição da noite de equívocos de Paripe. Por sorte, se ele a percebera estranha e esquiva, atribuíra desencontros e modos à fadiga, à trabalheira das comemorações de aniversário.

De manhãzinha, quando uma luz ainda encardida pela noite veio esbater-se pelas paredes, dona Flor ouviu passos na distância e então adormeceu de um sono pesado como se houvesse ingerido entorpecentes.

Enfiou as chinelas, a bata de flores sobre a camisola, passou o pente nos cabelos, saiu para a cozinha. Ao chegar à sala, porém, percebeu o coisa-ruim estendida no divã, em sua impúdica nudez. Tinha de acordá-lo mesmo antes de temperar o cuscuz (da cozinha chegava o suave aroma do café coado pela ama). Dona Flor tocou o ombro de Vadinho, ele abriu um olho resmungando:

- Me deixa dormir, cheguei faz pouco…

- Tu não pode dormir aqui na sala…

- O que é que tem?

- Já te disse fico sem jeito…

Ele fez um gesto impaciente:

- E eu com isso…? Me deixa em paz…

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