DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS
Durante a comida, dona Flor, notou nos modos e na voz do esposo uma gravidade maior atingindo as raias do solene. O boticário era de hábito um tanto quanto formal, como se sabe. Mas, naquela tarde, o rosto fechado, o silêncio, o comer desatento revelavam preocupação e desassossego. Dona Flor observou o marido enquanto lhe passou a travessa de arroz e lhe servia o lombo-cheio (cheio com farofa de ovos, linguiça e pimentão). O doutor tinha algum problema sério, sem dúvida, e dona Flor, boa esposa e solidária, logo se inquietou, ela também.
Quando chegaram ao café, doutor Teodoro finalmente disse, ainda assim a custo:
- Minha querida, desejo conversar com você assunto de muita relevância, de nosso mútuo interesse…
- Fale logo, querido…
Mas ele tardava, inibido, buscando as palavras. Que assunto tão difícil seria esse, interrogava-se dona Flor, a fazer o doutor tão inseguro? Voltada para o desassossego do marido, esquecera-se inteiramente de seus próprios problemas de duplo matrimónio.
- O que é, Teodoro?
Ele a fitou, tossiu:
- Quero que fiques inteiramente à vontade, que decidas como melhor te parecer e convier.
- Mas o quê, meu Deus? Fala de uma vez, Teodoro…
- Trata-se da casa… Está à venda…
- Que casa? Essa onde moramos?
- Sim. Você sabe que eu tinha juntado o dinheiro para comprarmos essa casa como era de seu desejo. Mas quando já íamos fechar o negócio, tudo pronto…
- Sei… A farmácia…
- … surgiu a oportunidade de adquirir mais uma cota da farmácia, exactamente a que me dava a maioria, garantindo-nos a propriedade da Científica… Eu não podia vacilar…
- Você fez bem, agiu com acerto, o que foi que eu te disse: “A casa fica para depois”, não foi isso?
- O que sucede agora, minha querida, é que a casa foi posta à venda e por uma ninharia…
- Posta à venda? Mas a preferência era nossa…
- Era, porém…
Detalhou o assunto: o proprietário metera-se com uma fazenda em Conquista e dera em criar gado, enterrando dinheiro grosso em bezerros e novilhas, entrara no negócio do zebu. Sabia dona Flor o que era a “corrida do Zebu”? Já tinha ouvido falar? Pois bem, nessa corrida lá se ia também a sonhada casa própria… O proprietário a pusera à venda e por quantia ínfima. Quanto à preferência, segundo ele, se bem inquilina antiga e excelente, perdera dona Flor qualquer direito a invocá-la após ter desistido da compra, com o negócio já fechado, em fase de cartório. Não podia ficar esperando que doutor Teodoro terminasse de abocanhar todas as quotas dos herdeiros da farmácia, para então pensar na casa. Tencionava vendê-la de imediato. De que lhe vendia o imóvel de aluguel ridículo, onde os Madureiras viviam quase de graça? Negócio bom era criar zebu, boi resistente, o quilo de carne valendo um dinheirão.
Episódio Nº 256
Durante a comida, dona Flor, notou nos modos e na voz do esposo uma gravidade maior atingindo as raias do solene. O boticário era de hábito um tanto quanto formal, como se sabe. Mas, naquela tarde, o rosto fechado, o silêncio, o comer desatento revelavam preocupação e desassossego. Dona Flor observou o marido enquanto lhe passou a travessa de arroz e lhe servia o lombo-cheio (cheio com farofa de ovos, linguiça e pimentão). O doutor tinha algum problema sério, sem dúvida, e dona Flor, boa esposa e solidária, logo se inquietou, ela também.
Quando chegaram ao café, doutor Teodoro finalmente disse, ainda assim a custo:
- Minha querida, desejo conversar com você assunto de muita relevância, de nosso mútuo interesse…
- Fale logo, querido…
Mas ele tardava, inibido, buscando as palavras. Que assunto tão difícil seria esse, interrogava-se dona Flor, a fazer o doutor tão inseguro? Voltada para o desassossego do marido, esquecera-se inteiramente de seus próprios problemas de duplo matrimónio.
- O que é, Teodoro?
Ele a fitou, tossiu:
- Quero que fiques inteiramente à vontade, que decidas como melhor te parecer e convier.
- Mas o quê, meu Deus? Fala de uma vez, Teodoro…
- Trata-se da casa… Está à venda…
- Que casa? Essa onde moramos?
- Sim. Você sabe que eu tinha juntado o dinheiro para comprarmos essa casa como era de seu desejo. Mas quando já íamos fechar o negócio, tudo pronto…
- Sei… A farmácia…
- … surgiu a oportunidade de adquirir mais uma cota da farmácia, exactamente a que me dava a maioria, garantindo-nos a propriedade da Científica… Eu não podia vacilar…
- Você fez bem, agiu com acerto, o que foi que eu te disse: “A casa fica para depois”, não foi isso?
- O que sucede agora, minha querida, é que a casa foi posta à venda e por uma ninharia…
- Posta à venda? Mas a preferência era nossa…
- Era, porém…
Detalhou o assunto: o proprietário metera-se com uma fazenda em Conquista e dera em criar gado, enterrando dinheiro grosso em bezerros e novilhas, entrara no negócio do zebu. Sabia dona Flor o que era a “corrida do Zebu”? Já tinha ouvido falar? Pois bem, nessa corrida lá se ia também a sonhada casa própria… O proprietário a pusera à venda e por quantia ínfima. Quanto à preferência, segundo ele, se bem inquilina antiga e excelente, perdera dona Flor qualquer direito a invocá-la após ter desistido da compra, com o negócio já fechado, em fase de cartório. Não podia ficar esperando que doutor Teodoro terminasse de abocanhar todas as quotas dos herdeiros da farmácia, para então pensar na casa. Tencionava vendê-la de imediato. De que lhe vendia o imóvel de aluguel ridículo, onde os Madureiras viviam quase de graça? Negócio bom era criar zebu, boi resistente, o quilo de carne valendo um dinheirão.
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