segunda-feira, novembro 01, 2010

DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 258



- Pois, meu caro, segundo estou informado, dona Flor ou dona Florípedes, como vosmicê prefira, tem umas economias bem razoáveis na Caixa Económica… Mais que suficientes para completar com a hipoteca, o necessário para a compra da casa…

- Mas esse dinheiro é dela, fruto do seu labor, nele não tocarei jamais, é um dinheiro sagrado…

Mais uma vez o banqueiro mediu o farmacêutico na cadeira em sua frente: Vadinho tomava os níqueis da mulher para ir jogar, e por vezes os arrancava à força, na brutalidade. Até lhe batia, segundo ouvia contar.

Bonitos sentimentos, meu doutor, dignos da cavalgadura que é vossa mercê… - o português ia da maior finura à grosseria total. – Burro, é o que você é, burro como um patrício desses que carregam piano e quebram pedras na rua… Diga-me lá de que serve esse dinheiro de dona Flor metido numa caderneta da Caixa? Ela, desejando ter a sua casa própria, e aqui o cavalheiro para manter uns escrúpulos de merda – de merda, sim senhor – deixa passar uma ocasião única. Não são casados com comunhão de bens?

Doutor Teodoro engoliu a seco a cavalgadura, o burro e a merda, conhecia bem o português e lhe devia favores por demais.

Não sei como falar com ela…

- Não sabe o quê? Pois aproveite a hora da cama que é a melhor para se discutir negócios com a esposa, meu caro. Eu só discuto assuntos desses com a patroa quando já estamos os dois deitados e sempre me dei bem. Ouça, dou-lhe vinte e quatro horas de prazo. Se amanhã, à mesma hora, você não me aparecer mando vender a casa a quem der mais… E agora deixe-me trabalhar…

Não na cama, mas na mesa, nas primeiras sombras da noite, ante o alvo beiju de tapioca molhado em leite de coco, doutor Teodoro relata a conversa do banqueiro a dona Flor omitindo os palavrões e a cavalgadura.

- Por meu gosto, você não bulia nesse dinheiro da Caixa…

- E que faço com ele?

- Seus gastos… Pessoais…

- Que gastos, Teodoro, se você não me deixa pagar nada? Nem a mesada da minha mãe… Você paga tudo e ainda se zanga quando eu reclamo. Nesse tempo todo, só fiz botar dinheiro na caderneta; só tirei duas vezes, um pinguinho de cada uma, para comprar duas tolices para você. Para que guardar esse dinheiro sem serventia? Só se for para meu caixão, quando eu morrer…

- Não fale bobagem, minha querida… A verdade é que é a mim, como marido, cabe a obrigação…

- E por que eu não tenho o direito de concorrer para a compra da nossa casa? Ou você não me considera sua companheira para um tudo? Será que só sirvo para arrumar, cuidar de suas roupas, fazer a comida, fazer a comida, ir com você para a cama? – dona Flor se exaltava – Uma criada e uma rapariga?

Ante a inesperada explosão, doutor Teodoro, ficou sem palavras, um baque no peito, a mão segurando o garfo com o pedaço de beiju. Dona Flor baixara a voz, agora num queixume:

- A não ser que você não me ame, me despreze tanto que nem quer que eu lhe ajude na compra da nossa casa…

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