sábado, outubro 30, 2010

DONA FLOR
E SEUS
DOIS MARIDOS
Episódio Nº 257


Enterrado na fazenda, entregara a venda da casa ao departamento de imóveis do banco do amigo Celestino. E candidatos não faltariam, com certeza, ante o preço convidativo.

Como sabia doutor Teodoro de tudo aquilo? Muito simples: Celestino lhe contara em seu despacho, na matriz do banco. Convocou o farmacêutico pelo telefone, “largue essas drogas e venha urgente” e lhe expusera a situação, terminando por lhe perguntar: por que Teodoro não fazia um esforço e comprava a casa? Um negócio da China, impossível transacção melhor, o maluco oferecia o imóvel praticamente por nada, o necessário para um lote de bezerros, naquele desatino do zebu.

- Quando o zebu parar de correr, mestre Teodoro, vai enterrar muita gente boa… Daqui do banco não sai um tostão para essa especulação… Compre a casa, meu caro, não discuta.

Tinha razão o português no que dizia sobre a casa e o zebu, também o doutor desconfiava daquela loucura dos bezerros, vacas e touros. Mas onde arranjar capital se ainda há pouco despendera todas as economias na aquisição da cota da farmácia e tomara dinheiro ao banco, emprestado pelo próprio Celestino, papagaios de prazo escrito?

O banqueiro considerou o boticário, tipo honesto, cheio de escrúpulos, incapaz de lesar quem quer que fosse. Não era homem para correr o risco de operação bancária sem a certeza de absoluta cobertura – doutor Teodoro não jogava nunca. Sorriu Celestino: como a vida era surpreendente! Aquela mansa dona Flor, de tímida presença e de tempero insuperável tomara em casamento os dois homens mais opostos, um o contrário do outro. Imaginou-se oferecendo dinheiro emprestado a Vadinho, como agora o fazia ao droguista. As mãos nervosas do rapaz tomariam da caneta e firmariam quanto papel pusessem em sua frente, desde que tais assinaturas lhe valessem uns quantos mil-réis para a roleta.

Arranje um pouco de dinheiro para completar o preço pedido e eu lhe consigo o resto sob uma hipoteca da própria casa. Veja…

Tomava o lápis, fazia contas. Obtivesse o doutor uns poucos de contos de réis, com o resto não se preocupasse: hipoteca de prazo longo, juros baixos, todas as facilidades. O que o português lhe propunha era negócio de pai para filho: Celestino conhecia dona Flor desde seu primeiro casamento, comera sua comida, tinha-lhe estima. Estimava igualmente ao doutor Teodoro, homem de bem, recto de carácter. Em sua alocução só não citou Vadinho, em deferência ao segundo esposo e por estar morto o capadócio. Mas naquele instante recordava seu perfil e sua picardia, e essa lembrança o fizera sorrir complacente e dilatar de mais seis meses o prazo da hipoteca.

- Agradeço sua oferta, não esquecerei sua generosidade, meu nobre amigo, mas não tenho neste momento nenhum dinheiro disponível para completar o capital necessário. Não tenho tão pouco onde buscá-lo. E é uma grande pena pois Florípedes muito deseja adquirir a casa. Mas, não há jeito…

- Florípedes… - murmurou Celestino, “nome absurdo”- Diga-me uma coisa, seu doutor Teodoro Madureira, você em casa trata sua mulher de Florípedes?

- Na intimidade, não. Chamo-lhe de Flor, como todos, aliás.

- Ainda bem… - impediu com um gesto a explicação do doutor, seu tempo era um tempo precioso de banqueiro
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