terça-feira, novembro 02, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 259



Talvez em todo o tempo de casado, mais de um ano, doutor Teodoro, não se houvesse comovido tanto, quanto naquele jantar. Num repente, de tímido exclamou:

- Você sabe que eu a amo, Flor, que você é minha vida. Como duvida? Não seja injusta.

Ela, ainda exaltada, declarava:

- Não sou tua mulher, tua esposa? Pois bem se você amanhã não for ao banco, quem vai sou eu e fecho o negócio com seu Celestino…

Doutor Teodoro levantara-se, veio por ela e a tomou num abraço estreito, apaixonado. Dona Flor acolheu-se no peito largo do doutor, também ela apaixonada. Sentaram-se no sofá, dona Flor no colo do esposo, rosto contra rosto, numa ternura quase sensual.

- Você é a mais séria, a mais direita e a mais bonita das esposas…

- A mais bonita não, meu Teodoro…

Fitou-o nos olhos bondosos, banhados em felicidade.

Bonita não… Mas te garanto, ah! isso te garanto, que séria eu sou, que sou mulher direita.

E tendo dito, buscou com os lábios a boca do doutor e a tomou na sua num beijo de amor, seu bom marido, única a merecer sua ternura e gozo de seu corpo.

A noite entrou inteira pela sala e do meio da sua sombra Vadinho contemplou a cena. Passou a mão na testa, inquieto; virou as costas, saiu rua fora, descontente.


Foi a partir daquela conversa entre doutor Teodoro e dona Flor que os acontecimentos começaram a se precipitar, num ritmo cada vez mais célere e confuso.

Sucederam então tais coisas na cidade capazes de assombrar (e assombraram) até mesmo as criaturas mais familiares do prodígio e da magia, como a vidente Aspásia, recém chegada todas as manhãs do Oriente, seu verdadeiro habitat, para as Portas do Carmo, onde era “a única a usar o sistema da ciência espiritual em movimento”; como a célebre médium Joset Marques (fenómenos de levitação e de ectoplasma) cuja intimidade com o além é sobejamente conhecida; como o Arcanjo São Miguel de Carvalho, em sua tenda de milagres no Beco do Calafate; como a doutora Nair Sacá, “diplomada pela Universidade de Júpiter”, a curar toda e qualquer enfermidade com passes magnéticos na Rua dos Quinze Mistérios; como Madame Deborah, do Mirante dos Aflitos, detentora dos segredos dos monges do Tibet, em permanente gravidez resultante de coito espiritual com Buda vivo, sendo, ela própria, “revelação suprema do futuro”, capaz com seus dons de adivinha de “prever e garantir casamentos ricos em prazos curtos e revelar os números premiados da lotaria” sem falar em Teobaldo Príncipe de Bagdá, já um tanto caduco.

E não só essas competências se assombraram. O espanto atingiu mesmo aqueles íntimos do mistério da Bahia, aqueles que o criam e o preservam, seus depositários através do tempo: mães e pais-de-santo, yalorixás e babalorixás, babalaôs e iakekerés,, obás e ogãs. Nem a própria Mãe Senhora, sentada em seu trono no Axé do Opô Afonjá; nem Menininha do Gantois com sua corte no Axé Iamassé; nem tia Massi da Casa Branca, do venerando Axé Iá Nassô, nem mesmo ela com a sabedoria dos seus cento e três anos de idade; nem Olga de Yansã dançando soberba e arrogante em seu terreiro do Alaketu; nem Nezinho de Ewá; nem Simplícia de Oxumaré; nem Sinhá de Oxóssi, filha-de-santo do falecido pai Procópio do Ilé Ogumjá; nem Joãozinho do Caboclo Pedra Preta; nem Emiliano do Bogum; nem Marieta de Tempo; nem o caboclo Neive Branco na Aldeia de Zumino Reanzarro Gangajti; nem Luís de Mariçoca, nenhum deles pôde controlar a situação e explicá-la a contento
.

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