DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Episódio Nº 260
Viram deflagrar-se a guerra dos santos, nas encruzilhadas dos caminhos, nas noites das macumbas, nos terreiros e na vastidão dos céus em ebós sem precedentes, despachos nunca vistos, feitiços carregados de morte, coisa-feita e bruxaria em cada esquina. Os Orixás em fúria, todos reunidos do mesmo lado, completos em suas espécies e nações; do outro lado Exu, a sustentar sozinho aquele egun rebelde, ao qual ninguém oferecera roupas coloridas nem o sangue de galos e ovelhas, nem um bode inteiro, nem sequer uma conquém de Angola.
Vestira-se com as roupagens do desejo, com os ouropéis da paixão imorredoura e em sacrifício desejava tão-somente o riso e o mel de dona Flor.
Nem mesmo Yansã (epa hei!), a que enxota as almas, a que não teme os eguns e os enfrenta, a que comanda os mortos, a guerreira cujo grito amadurece as frutas e destrói exércitos, nem mesmo ela conseguiu impor-se autoritária e destemida; aquele babá de Exu lhe tomou o alfange e o eruexim. Tudo no vice-versa, tudo pelo avesso, era o tempo do contrário, do ora-veja, o meio-dia da noite, o sol da madrugada.
Prosternados na hora do padê, as yalorixás e os babalorixás, a partir de certo instante, já não mais quiseram intervir: cabia aos encantados encontrar a decisão no fogo da peleja. Apenas o babalaô Didi, porque Asobá de Omolu, mago de Ifá, guardião da casa de Ossain e sobretudo por ter o posto de Korikoê Ulukótum no terreiro dos eguns, na Amoreira, tentou enrolar outra vez nas palhas do mokan o egun desperto de seu sono pelo amor. Fê-lo a pedido de Dionísia de Oxóssi mas foi em vão como se verá mais adiante.
Não se diga que Cardoso e Sª se assombrou, não é ele cidadão de se assombrar, nem tão pouco de sustos e espantos fáceis. Mas sofreu um abalo, ah! isso sofreu, não há como esconder a realidade, e dizendo-se que mestre Cardoso e Sª se surpreendera está tudo definitivamente dito e dada a medida desmedida do insólito, do absurdo clima da cidade. Foi naqueles dias que o povo, em lucidez e raiva, atacou a sede do monopólio estrangeiro da energia eléctrica, exigiu a nacionalização das minas, pôs a polícia em fuga e cantou a Marselhesa sem saber francês. Tudo teve princípio naquela ocasião.
Dona Flor não se deu conta imediata da situação, ao contrário de Pelancchi Moulas, cujo sangue calabrês intuiu e logo depois indicou sentido e direcção para os sucessos naquela mesma noite do lasquinê. Alguns dias bastaram para convencer Pelancchi. Apavorado – sim, apavorado, esse homem sem medo e sem entranhas, esse bandido da Calábria, esse moderno gangster à maneira de Chicago, esse duro jogador – mandava seu chofer Aurélio, de toda a confiança, ao terreiro de mãe Octávia Kissimbi, yalorixá da nação Congo, indo ele próprio em busca do filósofo místico e astrólogo Cardoso e Sª, únicos seres capazes de lhe valer em tão terrível emergência, de lhe salvar o reino e a majestade.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Episódio Nº 260
Viram deflagrar-se a guerra dos santos, nas encruzilhadas dos caminhos, nas noites das macumbas, nos terreiros e na vastidão dos céus em ebós sem precedentes, despachos nunca vistos, feitiços carregados de morte, coisa-feita e bruxaria em cada esquina. Os Orixás em fúria, todos reunidos do mesmo lado, completos em suas espécies e nações; do outro lado Exu, a sustentar sozinho aquele egun rebelde, ao qual ninguém oferecera roupas coloridas nem o sangue de galos e ovelhas, nem um bode inteiro, nem sequer uma conquém de Angola.
Vestira-se com as roupagens do desejo, com os ouropéis da paixão imorredoura e em sacrifício desejava tão-somente o riso e o mel de dona Flor.
Nem mesmo Yansã (epa hei!), a que enxota as almas, a que não teme os eguns e os enfrenta, a que comanda os mortos, a guerreira cujo grito amadurece as frutas e destrói exércitos, nem mesmo ela conseguiu impor-se autoritária e destemida; aquele babá de Exu lhe tomou o alfange e o eruexim. Tudo no vice-versa, tudo pelo avesso, era o tempo do contrário, do ora-veja, o meio-dia da noite, o sol da madrugada.
Prosternados na hora do padê, as yalorixás e os babalorixás, a partir de certo instante, já não mais quiseram intervir: cabia aos encantados encontrar a decisão no fogo da peleja. Apenas o babalaô Didi, porque Asobá de Omolu, mago de Ifá, guardião da casa de Ossain e sobretudo por ter o posto de Korikoê Ulukótum no terreiro dos eguns, na Amoreira, tentou enrolar outra vez nas palhas do mokan o egun desperto de seu sono pelo amor. Fê-lo a pedido de Dionísia de Oxóssi mas foi em vão como se verá mais adiante.
Não se diga que Cardoso e Sª se assombrou, não é ele cidadão de se assombrar, nem tão pouco de sustos e espantos fáceis. Mas sofreu um abalo, ah! isso sofreu, não há como esconder a realidade, e dizendo-se que mestre Cardoso e Sª se surpreendera está tudo definitivamente dito e dada a medida desmedida do insólito, do absurdo clima da cidade. Foi naqueles dias que o povo, em lucidez e raiva, atacou a sede do monopólio estrangeiro da energia eléctrica, exigiu a nacionalização das minas, pôs a polícia em fuga e cantou a Marselhesa sem saber francês. Tudo teve princípio naquela ocasião.
Dona Flor não se deu conta imediata da situação, ao contrário de Pelancchi Moulas, cujo sangue calabrês intuiu e logo depois indicou sentido e direcção para os sucessos naquela mesma noite do lasquinê. Alguns dias bastaram para convencer Pelancchi. Apavorado – sim, apavorado, esse homem sem medo e sem entranhas, esse bandido da Calábria, esse moderno gangster à maneira de Chicago, esse duro jogador – mandava seu chofer Aurélio, de toda a confiança, ao terreiro de mãe Octávia Kissimbi, yalorixá da nação Congo, indo ele próprio em busca do filósofo místico e astrólogo Cardoso e Sª, únicos seres capazes de lhe valer em tão terrível emergência, de lhe salvar o reino e a majestade.
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