terça-feira, novembro 09, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 265


Mas, pelo jeito, Vadinho estava ali mesmo na sala, bem junto da Arigof, e retado da vida, pois tendo o negro resolvido, após profundos cálculos cabalísticos, mudar de carta e carregar no rei (era impossível que a dama repetisse, inteiramente impossível), ouviu a voz braba do amigo, numa ordem dura:

- Na dama, negro filho da puta.

E a mão de Arigof, independente da sua vontade, como se obedecesse a uma força superior, depositou as fichas na dama.

Cerrando os dentes, olhos em pânico, António Dedinho retirou a primeira carta: dama. Movimento geral, exclamações, risos nervosos e foi chegando cada vez mais gente para ver o impossível.

Gilberto Cachorrão, o gerente da espelunca, com seu ar desconfiado de rafeiro, postou-se ao lado de Lulu, disposto a desmascarar a tramóia (que outra podia ser senão batota e grossa?). Em suas fuças repetiu-se o absurdo várias vezes e a banca de cem contos estoirou. Alvoraçada e alegre, a dama é sempre a primeira carta. Onde a batota, grossa ou fina, Cachorrão?

António Dedinho voltou-se vencido para o gerente, esperando suas ordens, mas Cachorrão apenas o olhou com desconfiança e nada disse. O crupiê preparou novos baralhos, vagarosamente, na vista de todos e com o maior apuro:

- Banca de cem contos…

Virou duas cartas, dama e rei. Havia um silêncio de morte e agora todos queriam apostar na dama. Vinha gente da rua e do Tabaris onde a notícia espantosa já chegara. A nova banca não durou.

A uma ordem de Gilberto Cachorrão, Lulu saiu disparado para o telefone. Na sala o impossível virava ramerrão, a dama a se repetir sempre de primeira. O homem de branco disse em voz alta:

- Vou-me embora senão tenho uma coisa, meu coração não se aguenta. Jogo há mais de dez anos em Ilhéus e Itabuna, em Pirangi e Água Preta. Já vi muita trapaça, fraude de todo o tipo, mas igual a essa nunca vi. E digo mais: estou vendo e não acredito:

- Arigof quis lhe pagar a ficha e convidá-lo para a ceia em casa de Teresa mas o homem recusou:

- Deus me livre e guarde. Tenho medo de feitiçaria e só pode ser feitiçaria. Fique com a sua ficha que eu vou remir as minhas antes que sumam ou se desfaçam.

Lulu retornara e não tardou a juntar-se a ele e a Cachorrão a figura circunspecta de um crioulo idoso, de óculos, muito calmo, o professor Máximo Sales, principal testa de ferro de Pelancchi Moulas, seu homem de confiança.

Ao receber o telefonema de Lulu, o magnata recusara-se a acreditar na história sem pés nem cabeça. Com certeza Lulu voltara a beber e agora o fazia durante as horas de trabalho, num abuso imperdoável. A cabeça canosa repousada na tepidez dos seios de Zulmira Simões Fagundes, em doce intimidade, Pelancchi mandara Máximo Sales tirar a limpo tão esdrúxula balela.

O mais certo era não passar aquilo de mais um porre de Lulu:

- Se ele estiver bêbado, professor, por favor despeça-o imediatamente. E me telefone o
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