quarta-feira, dezembro 01, 2010

DONA

FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 283



Pela manhã, na aula de culinária, dona Flor, nervosa e desatenta, quase perde o ponto do arroz de haussá. No fundo da sala, a voz de Zulmira Simões Fagundes, a contar muito excitada.

- Meninas, é um sortilégio, ando com um medo… Vocês não se lembram que no outro dia aqui na aula senti uma coisa me alisando o seio? Pois não é que essa história continua…

As alunas se viram no maior assanhamento:

- O quê? Como? Conte…

- Ontem de noite eu estava no Palace…

- Você não perde soiré do Palace…

- Faz parte do meu trabalho…

- O que eu queria era um trabalho assim…

- Conte, Zulmira…

- Pois ontem de noite eu estava no Palace com meu patrão e teve uma coisa na roleta, só dava o 17…

Dona Flor ouvia pensativa.

- Na hora de maior complicação, senti o mesmo invisível tocando os meus seios e depois… baixou a voz - … me deu um beliscão nas nádegas…

- Beliscão de invisível? Não diga… - duvidava uma senhora pouco afeita a mistérios e de traseiro chocho.

- Não acredita? Pois ainda tenho a marca.

Não se dispondo a passar por mentirosa, Zulmira levantou a saia e exibiu a anca de fazer inveja mesmo às colegas mais bem servidas em matéria de quadris. Um tanto desbotada, lá estava a marca dos dedos de Vadinho. Em silêncio dona Flor saiu da sala.

Durante todo o dia dona Flor o esperou, apenas triste. Vadinho não veio. Nem na segunda noite. Toda aquela paixão era mentira, o delírio de amor era falsidade e hipocrisia. Dona Flor em vigília a esperá-lo, e o traste bem de seu no jogo ou por baixo das saias de Zulmira a lhe beliscar a bunda. Vadinho, cínico e irresponsável, fingido e desleal, sem coração. Dona Flor livre de toda a contradição, livre ao mesmo tempo da pudicícia e do desejo, apenas triste.


Na hora da vitória, o professor Máximo Sales não se enchia de empáfia; ao contrário: modesto, atribuía seu sucesso ao provérbio antigo, fórmula provada: “para escroque, escroque e meio”. Um erudito sem soberba, um verdadeiro humanista.

Não lhe viessem mais, porém, com almas do outro mundo e conversas de encantados e feitiços. Bastara empenar a roleta para toda a bruxaria se dissolver na evidência da trapaça, faltando agora tão-somente, descobrir o responsável, o chefe e cabeça da quadrilha e ajustar suas contas. Inocente do complô, Lourenço Mão-de-Vaca disparava a bolinha na bacia da roleta: na véspera só dera o 17, hoje nem uma só vez em toda a noite.

No rosto de Pelancchi Moulas, a tensão diminuíra. Só tinha medo do sobrenatural, de mais nada. Mas que força cabalística era essa, incapaz de se sobrepor ao truque da roleta?

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