sábado, dezembro 04, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 286


Giovanni mantivera sua alegria fácil, seu riso espontâneo, suas mentiras, seus exageros. Na aparência era o mesmo, o boa prosa, aquele que sabia todos os detalhes da vida da cidade – políticos, financeiros, adulterinos, todos. Mas, só na aparência. Porque o boémio incorrigível, o noctívago, o jogador, esse tinha acabado para espanto de muitos.

Certa feita, a família, alarmada com as notícias que chegavam ao latifúndio de Urandi, mandou à Bahia um primo colector, com fama de carranca, para examinar a situação do filho pródigo. O colector hospedara-se com Giovanni no apartamento do celibatário, na Piedade, e, para bem cumprir a delicada missão, o acompanhou em seu roteiro durante uma semana inesquecível. Ao voltar, resumira o diagnóstico numa única palavra: “Irrecuperável”.

Assim parecia, ao menos: esbanjando os salários e a renda da herança nos antros do jogo e por aí além. Giovanni trocara o dia pela noite, aparecendo na repartição apenas para receber o ordenado. Crivado de dívidas, simpatizante de ideias suspeitas, de que lhe adiantavam o prestígio de jornalista, o brilho da inteligência, a simpatia irradiante a fazê-lo amigo de toda a gente?

Reintegrado em sua coletoria, na religião e na família, o parente considerava extremamente improvável a regeneração de Giovanni: só se ele fosse um imbecil chapado para abandonar aquelas delícias e sobretudo uma delas, gracioso ornamento da casa de Zazá, de nome Jucundina, mais conhecida por Coisinha Doce. Com água na boca, o coletor dizia à família em prantos:

- Percam as esperanças… É um detraquê… Nunca vai endireitar.

Pois endireitou. Quando já considerado caso perdido, um incorrigível, aconteceu-lhe o amor e em dois meses atingiu o casamento. Houve quem lamentasse a noiva: “coitada vai arrenegar o dia em que casou, esse Giovanni é um maluco”.

Assim diziam por não conhecer a moça, no engano de sua aparência tranquila, dos modos quase tímidos. Seis meses depois do casamento, o carranca do sertão, tendo voltado, tendo voltado à capital, balançou a cabeça: “Coitado de Giovanni!” e saiu às pressas para casa de Zazá, talvez Coisinha Doce ainda estivesse disponível e aceitasse ir conhecer o campo, a vida rural.

Giovanni era outro, ninguém mais o vira em mesa de jogo ou em farra de qualquer espécie. Uma vez em cada dois meses arriscava dez tostões no bicho e era tudo. Beleza de mulher só em tela de cinema. Fora disso, senhor da maior consideração, perfeito funcionário, pai de família como se de família como se deseja, de braço dado pela rua com a esposa, no outro braço a filha Ludmila, um trem de riso. Quadro comovente!

Surgiram-lhe um começo de calvície, ideias conservadoras, hábitos monarcos e a ambição de terras e bovinos: como se vê homem completamente recuperado para a sociedade, a família e o latifúndio.

Assim, dormia Giovanni há mais de duas horas, quando soou o telefone. Saindo da cama, tonto de sono, tomou do aparelho: quem seria?

- É o Giovanni? – perguntaram do outro lado.

- É, sim, Quem fala?

- É Vadinho quem fala, Giovanni. Venha correndo ao Palace e jogue no 17, jogue sem medo, eu lhe garanto. Mas venha depressa, venha correndo…

- Vou nesse instante
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