quinta-feira, dezembro 30, 2010

DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

Episódio Nº 307


As carícias cresciam, os corpos se queimavam em labaredas:

- Depressa, meu bem, que é curta a nossa noite. Vamos depressa vadiar, daqui a pouco partirei para a perdição, que é meu destino e será a hora de meu colega em ti, meu sócio, meu irmão. Para mim tua ânsia, teu secreto desejo, teu chão de impudicícia, teu grito rouco. Para ele as sobras, as despesas, e o plantão, teu respeito grato, o lado nobre. Tudo perfeito, meu bem, eu, tu e ele, que mais desejas? O resto é engano e hipocrisia, porque ainda queres-te enganar?

Quase a tomá-la ainda lhe disse:

- Pensas que vim te desonrar e, no entanto, vim salvar tua honra. Se eu não viesse, eu, teu marido, com legais direitos, diz, minha Flor, fala a verdade, não te enganes: que iria suceder se eu não viesse? Vim impedir que tomasses um amante e arrastasses teu nome e tua honra pela lama.

(Nunca sequer pensaste, jamais admitiste sequer a ideia de um amante, mulher íntegra, viúva honesta, esposa honrada, fiel a seus maridos? E o que me dizes do Príncipe das Viúvas, Eduardo de Tal, também conhecido pelo Senhor dos Passos? Já não te lembras dele junto ao poste? Ficavas na fresta da janela, e se eu não envio Mirandão às pressas, sobre o meu luto darias de comer à peladinha, um jardim de chifres em minha cova.)

Sua voz celeste, sua apetência e gosto ardido de gengibre, de pimenta, de cebola crua e o sal da vida (e a verdade verdadeira).

Meu bem, agora esquece tudo, tudo é o tempo da vadiação, e tu bem sabes, Flor, que a vadiação é coisa santa, coisa de Deus, vamos, meu bem.

Vadinho mais embrulhão, Vadinho mais herege, Vadinho mais tirano, vamos depressa.



Com a cabeça reclinada nos seios de veludo e bronze de Zulmira Simões Fagundes, o místico Cardoso e Sª…

Cardoso e Sª? Sim, não se trata de engano ou erro, de troca de nomes, mas de real e (lastimavelmente) momentânea substituição de pessoas físicas. Não era Pelancchi Moulas, o rei do jogo, o imperador do bicho, patrão do governo e de Zulmira, quem se reclinava, no uso dos seus direitos privativos, sobre os seios da cabrocha, gozando do calor e do conforto de tais prendas. Quem o fazia, aliás com certo à vontade surpreendente, era o nosso sempre insólito Mestre do Absurdo e intrépido Capitão de Cosmos, esse quase puro espírito imaterial.

Como chegara Cardoso e Sª. àquelas alturas e grandezas? Pois, pedindo. Enquanto se empenhava na solução dos problemas de Pelancchi, frequentando-lhe os salões de jogo, em sucessivas conferências com os chefes marcianos (entrevistas, inclusivé com o Guia Genial, o tenebroso e benemérito ditador de Marte, até então inacessível a qualquer humano), foi pedindo a Zulmira, pedindo-lhe com insistência e adulação e a velha forma demonstrou mais uma vez sua eficácia.

Pedira, de começo, e por mera e meritória curiosidade científica, para ver aquelas marcas deixadas pelos invisíveis em “vossos magnos quadris de amazona”. Já não existiam marcas, respondia ela, apenas a lembrança. Mesmo assim, quis Cardoso e Sª. ver o lugar (estudar o fenómeno “in loco”), sem o que, impossível perfeito diagnóstico. A ciência é exacta.

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