sexta-feira, janeiro 14, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 4



Na passagem para a pista de dança, o poeta Saraiva, parando junto à mesa para engolir de um trago exibe Tereza ao companheiro:

- Artista, admire o supremo modelo, digna de Rafael e Ticiano.

O pintor Jenner Augusto, pois outro não era o jovem ali sentado, fita a face de Tereza, jamais a esquecerá. Tereza sorri gentil, porém distante; está de coração trancado, vazio, desinteressada de olhares de admiração ou de frete, por fim tranquila, recompondo-se devagar.

Saem dançando, Tereza e o poeta. Na testa macerada do jovem nascem gotas de suor, se bem conduza nos braços o par mais maneiro, a dama mais leve, de ouvido mais fino. Tereza aprendera a assobiar com os pássaros, a dançar com o doutor.

Dança na perfeição e ama fazê-lo, esquecida do mundo na cadência da música, os olhos fechados.

Pena ter de abri-los para melhor escutar o poeta: pobre poeta, por entre as palavras alegres, sai-lhe do peito um silvo longínquo e persistente:

- Então é você a estrela cadente do samba, não é? Sabe que o anúncio de Flori é um poema? Naturalmente não sabe, nem precisa de saber, sua obrigação é ser bela, somente. Pois quando li o prospecto de propaganda de sua estreia, perguntei: José Saraiva, você que sabe tudo me diga o que deu no Pachola capaz de fazer dele um poeta? Agora posso responder, e não só responder, e não só responder. Posso lhe fazer dezenas e dezenas de poemas, não vou ficar na rabeira de Flori.

Ali mesmo quis improvisar versos de lisonja e gabo, em plena dança, no ritmo do jazz e certamente o faria senão houvesse acontecido, bem ao lado, o incidente inicial, ponto de partida para o conflito.

Agarradinho, rosto contra rosto, rodopiava um casal; caixeiro-viajante o cavalheiro, via-se pela roupa na estica, paletó esporte almofadinha, gravata vistosa, sem esquecer o resplandecente cabelo no lustre da brilhantina, e a feição de destilar galanteios e juras nas ouças de rapariga gordota e bisonha, de atraente perfil; embora parecendo degustar com interesse o fraseado de açúcar e admirar a elegância e a delicadeza do cometa, os olhos da moça denunciam-lhe a tensão, inquietos, voltados para a porta de entrada. De repente ela diz:

- É Libório, valha-me Deus – solta-se dos braços do par, quer fugir, não encontra para onde, apalermada começa a chorar.

O tal Libório, cuja entrada na sala, acompanhado de três amigos, provocara o pânico da rapariga, era um indivíduo comprido, todo vestido de negro, como se guardasse luto fechado, olhos empapuçados, ombros curvos, cabelo ralo, boca mole, em matéria de beleza todo o contrário – parecendo saído de um enterro. Dirige-se à pista de dança, parando diante da rapariga, ouve-se-lhe a voz fanhosa:

- É assim, siá – puta, que você foi visitar sua mãe doente em Propriá?

- Libório, não faça escândalo, pelo amor de Deus.

Já escaldado de outras como essa e para não sujar ainda mais a ficha profissional no laboratório farmacêutico para o qual viaja Bahia, Sergipe, Alagoas (excelente vendedor, capaz, empreendedor e sério, dado porém a mulheres e farras, a conflitos em cabarés e prostíbulos, já tendo sido levado preso), o caixeiro viajante vai-se afastando de manso, enquanto seus colegas de mesa e profissão punham-se de pé na intenção de apoiá-lo, se necessário.

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