quinta-feira, fevereiro 10, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 27


Tu é direito, Januário Gereba, falou como um homem deve falar. Janu, meu Janu de grilhetas, que pena não possa ser de uma vez para sempre, em casa nossa e até à morte. Mas, se não pode ser para sempre, que seja por um dia somente, uma hora, um minuto! Um dia, dois dias, menos de uma semana, para mim, esse dia, esses dois dias, essa curta semana, tem o tamanho da vida multiplicado pelos segundos, pelas horas, pelos dias de amor, mesmo que depois eu me dane de saudade, de desejo, de solidão e sonhe contigo todas as noites na danação do impossível. Mesmo assim, paga a pena – eu te quero agora, agorinha, já, imediatamente, nesse mesmo instante, sem demora, sem mais tardança.

Agora e amanhã e depois de amanhã, no domingo, na segunda e na terça, de madrugada, de tarde e de noite, na hora que for, na cama mais próxima, de barriguda, de terra, de areia, no madeirame do barco, na beira do mar, onde quer que seja e se possa nos braços um do outro desmaiar. Mesmo para depois maldita sofrer, ainda assim te quero e vou ter, Januário Gereba, mestre de saveiro, gigante, urubu-rei, marujo, baiano mais fatal e sem jeito.

Era o mar infinito, ora verde, ora azul, ora claro, ora escuro, de anil e celeste, de óleo e de orvalho e, como senão bastasse com o mar, Januário Gereba encomendara lua de ouro e prata, lanterna fincada no alto dos céus sobre os corpos em bolados na ânsia do amor; eram dois ao chegar, são um só, nas areias da praia encobertos por uma onda mais alta.

Tereza Batista empapada de mar, na boca, nos lisos cabelos, nos peitos erguidos, na estrela do umbigo, na concha da buça, flor de algas, negro pasto de polvos – ai meu amor que eu morro na fímbria do mar, de teu mar de sargaços de teu mar de desencontro e naufrágio, quem sabe um dia morrerei em teu mar da Bahia, na popa de teu saveiro? Tua boca de sal, teu peito de quilha, em teu mastro vela enfunada, na coberta das ondas nasci outra vez, virgem marinha, noiva e viúva de saveirista, grinalda e espumas, ai, meu amor marinheiro.


10


Da nação de Tereza Batista, meu egrégio, não posso lhe render contas. Tem uns sabidos por aí, alguns letrados de Faculdade, outros com bolsas de estudo, que lidam com tais assuntos, destrinchando com ciência e ousadia os avós de cada um, obtendo resultados positivos, não sei se exactos, mas de certo favoráveis ao netos; e até conheço um topetudo que se apresenta como descendente de Ogum – imagine que pesquisador mais porreta lhe pesquisou a família, certamente foi ele próprio e com muita galhardia, não se devendo confiar a terceiros fundamento tão melindroso.

Como sabe o nobre patrício, aqui se misturou tudo o que é nação para formar a nação brasileira. Num traço do rosto, num meneio do corpo, na feição de olhar, na maneira de ser, quem tem olho e conhece do assunto encontra um rastro e partindo daí esclarece parentesco remoto ou como a mistura se deu. Vai se ver e o garganteiro é mesmo primo de Ogum,
nem que seja bastardo, pois se conta que tanto Ogum como Oxossi frequentavam, com fins de descaração, umas filhas-de-santo na Barroquinha. Se lhe parece invenção, cobre o dito ao pintor Carybé, é ele quem espalha essas histórias de encantados, pondo na frente Oxossi, como aliás é justo e certo fazer.

Falando de Tereza Batista, por quem o ilustre tanto se interessa, muita coisa se diz e há pleno desacordo, total; opiniões diferentes, discussão prolongada na cachaça e no prazer da conversa
.

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