terça-feira, fevereiro 15, 2011

TEREZA

BATISTA


CANSADA
DE

GUERRA





Episódio Nº 31



Com a chegada de Januário, despedem-se o poeta e o pintor. O poeta não persegue senão uma quimera, frustrado idílio, sonho efémero, imorredouro nos poemas nascidos da moça de cobre, versos de paixão e morte. O pintor, silencioso, nos olhos fundos como se olhasse para fora e para dentro apoderando-se da imagem inesquecível, de cada expressão da carga do passado e da força vital: a bailarina, a mulher com ciclâmen, virgem sertaneja, a mulher do porto, a cigana, a rainha do samba, a filha do povo, em quantos quadros, sob quantos títulos colocou a face de Tereza?

Após o ensaio, por volta das seis, Tereza retorna ao sítio em companhia de Januário, a aula recomeça. Tempo cansado mas distraído, sem um minuto de folga. Naqueles dias intensos ficaram amigas, Joana e Tereza.

A negra lhe contou do marido, labrego vistoso e potente, de bom coração, triste somente com o filho a quem quisera vendo lavrar a terra, desenvolvendo a chácara, a horta, o pomar, a freguesia, transformando o sítio numa pequena fazenda. Não perdoara a fuga do rapaz. Bonito e fogoso gostava de enfiar os frondosos bigodes no cangote da mulher; jamais olhara para outra, tinha sua negra Joana.

Quando ele morrera, Joana completara quarenta e um anos, dos quais vinte e três na companhia de Manuel França. Desde a morte do marido não voltara a ter regras, morta ela também para tais coisas.

Lulu Santos, nas folgas do fórum ou do bar aparecia na chácara para constatar e medir os progressos da sitiante. De início desanimado: a mão de Joana das Folhas, mão de amanho e estrume, de pá e enxada, jamais poderia traçar as letras do nome de dona Joana França; o tempo curto, a audiência iminente, o advogado de Libório, mequetrefe de porta de xadrez, dando pressa ao juiz. Com o passar dos dias, foi-se o rábula animando, voltou-lhe o optimismo. Já a caneta não rasga o papel, diminuem os borrões; das mãos de Joana, no milagre de Tereza, começam a nascer as letras.

A mão de Joana marcha sozinha e quando Tereza se despede às oito da noite (na marinete cheia, num escândalo de beijos começa a noite de amor), a negra prossegue a riscar o papel, reescrevendo o alfabeto, palavras e mais palavras, o próprio nome vezes sem conta. O borrão inicial se faz escrita, garatujas cada vez mais limpas, mais firmes, menos ilegíveis. Joana das Folhas defendendo tudo quanto possui, pequeno sítio por Manuel e por ela transformado em chácara modelar de verdura e legumes, em pomar de frutas escolhidas, seu ganha pão, herança recebida do marido, terra de fértil sementeira de onde tira o necessário às parcas despesas da casa e o supérfluo para os desatinos do filho ingrato e bem-amado.

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