sexta-feira, fevereiro 18, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 34




A um gesto do escrivão, todos se levantaram, era chegado o momento solene da sentença. Pondo-se de pé o juiz espiou pelo rabo do olho para Lulu Santos. A cara do rábula, contrita, ainda contrita de uns restos de repulsa à trapaça, à falsificação, à rapinagem, ao crime, não engana o meritíssimo doutor Benito Cardoso, magistrado de brilhante carreira – com estudos, artigos e sentenças publicadas na Revista dos Tribunais de São Paulo, merecera consagrador pronunciamento de um jurista ilustre, o professor Rui Antunes, da Universidade de Pernambuco, trazido a Sergipe por complicada acção penal: “O doutor Cardoso alia ao profundo conhecimento do direito um admirável conhecimento dos homens”.

No fundo dos olhos do aleijado, o juiz advinha uma réstia de malícia – toda a audiência não passara de uma comédia de enganos, mas, se o desmascaramento do ladrão exigira mentira e burla, benditas sejam a mentira e a burla! Finalmente Lulu Santos, hábil raposa do fórum, despido de preconceitos e leguleios, pegara pelo pé o mais asqueroso agiota da cidade, delinquente a cometer falcatruas nas barbas da justiça, utilizando-se da lei, eternamente impune. Quantas vezes já o absolvera o doutor Cardoso por falta de provas, embora sabendo-o culpado?

Quatro vezes ao que se recorda. Perfeitas, Lulu, as declarações e as testemunhas, nada mais se faz necessário para a boa sentença. Quando tudo terminar, por mera e vã curiosidade, o juiz deseja um esclarecimento, um só.

Ergue a vista para Libório das Neves, olhar severo, de reprovação e desgosto. Ao lado do usurário, o trêfego bacharel Silo Melo, advogado de porta de xadrez, sente a causa perdida na mirada do juiz – até a face dentuça do faminto patrono do demandante lembra ratos e roubos.

Tempera o meritíssimo a garganta jurídica, lê a sentença. Na voz grave e lenta, nos considerandos a preceder a decisão, vai-se desfazendo Libório das Neves, esvaziando-se como um saco afinal furado – os olhos de Lulu Santos acompanham cada detalhe do esperado desmoronamento: saco vazio, seco de merda. Solene a voz do meritíssimo doutor Benito Cardoso, a pronunciar cada sílaba, cada letra, mais enfática se possível na conclusão da peça:

“Por tais motivos, e pelo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a presente acção executiva, promovida por Libório das Neves contra Joana França, tendo como inábil o documento de fls… em que se funda a inicial e em que veio arrimado o pedido. E, pelos fundamentos a que me levaram a tal conclusão (falsidade do documento) ordeno que, passando a presente em julgado, sem recurso da parte, ou, se houver, após o julgamento deste, se extraia cópia autêntica da presente decisão, encaminhando-a ao órgão do Ministério Público, para as devidas providências penais, promovendo, portanto, a apuração da responsabilidade de quem de direito, na forma da legislação penal vigente. Custas para o autor, em décuplo, por se tratar de lide de má-fé, condenando-o ainda nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% sobre o valor da cobrança, P. R. I.”.

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