quinta-feira, fevereiro 17, 2011

TEREZA
BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA
Episódio Nº 33



Só me dirás na véspera, pediu-lhe Tereza, não quero saber antes o dia da tua partida. Agem como se fossem viver juntos toda a vida, sem prever separação próxima ou remota, fundeada para sempre a barcaça Ventania no porto de Aracaju. Nas areias da praia, na mata de coqueiros, nos esconderijos da ilha, no quarto de Tereza, na quilha da barcaça, vivem esses dias de festa num frenesi. Os ais de amor povoam Sergipe.

Januário participa de toda a vida de Tereza: no ensaio lhe ensina gingas de capoeira, jogos de corpo flexível, dando graça, elegância e atrevimento ao samba de Angola, mestre de saveiro e capoeira, dançador de afoxé.

Acompanha, tenso de interesse, os mínimos progressos de Joana das Folhas, rindo alegremente quando constata a mão finalmente domada, capaz de dirigir o lápis e a caneta, arranhando ainda o papel, não mais o rompendo, porém; ainda respingando tinta, mas sem transformar as letras em borrão ilegível.

Há sempre um momento, durante a aula vespertina, quando os três sorriem juntos, Tereza, Januário e Joana das Folhas.

Beijam-se na marinete, passeiam de mãos dadas pelo porto, sentam-se a conversar na Ponte do Imperador, na popa da barcaça Ventania. Uma noite, num bote, Januário a levou: abandonando os remos, no barco balouçante a teve nos braços, os dois vestidos numa confusão de salpicos de água e de risos, a leve embarcação à deriva, rio abaixo. Depois atracou na ilha dos Coqueiros, saíram a descobrir recantos. Na noite da Atalaia perseguiam a lua no céu; sozinhos na praia imensa, tirando a roupa, entravam mar a dentro, Tereza entregando-se no meio das águas, toda sal e espuma.

- Agora tu não é Iansã, tu só é Iansã na hora da briga. Agora tu é Janaína, rainha do mar – lhe disse Januário, familiar dos orixás.

Tereza tinha vontade de perguntar sobre o saveiro Flor das Águas, as travessias, o rio Paraguaçu, a ilha de Itaparica, os portos de atracação e como era a vida por lá, pela Bahia. Mas desde aquela primeira noite na Atalaia, quando ele lhe contara o mais importante, não voltaram a falar de tais assuntos, de saveiros, do rio Paraguaçu, de Maragogipe, Santo Amaro e Cachoeira, de ilhas e praias, da cidade da Bahia, das águas do mar de Todos-os-Santos. Conversam sobre temas de Aracajú: a audiência final no processo de Joana das Folhas com data marcada pelo juiz, o Paris Alegre, os ensaios dos números de dança, a estreia finalmente à vista, o dente de ouro chegando ao termo do cinzel – dentista ou escultor, Jamil Najar? Artista da prótese dentária, responde ele exibindo a hora prima. Sobre tais temas praticam como se jamais se fossem separar, a vida tendo parado em hora de amor.

No domingo com Lulu Santos e mestre Caetano Gunzá, compareceram ao almoço em casa do motorista Tião, conforme combinado. Feijoada completa, digna de superlativos e exclamações. Animadíssima, convidados numerosos: motoristas de praça, músicos amadores com violão e flauta, um tocador de cavaquinho de primeira, moças da vizinhança, amigas da mulher de Tião, assanhadas.

Cachaça e cerveja, gasosa para as mulheres. Comeram, beberam, cantaram, dançando por fim ao som de uma vitrola. Todos tratando Januário e Tereza de marido e mulher:

- Aquela bonita é mulher do grandão.

- Homem do mar, logo se vê.

- Que pedaço de mulher!

- É uma uva Cavalcanti, mas não se meta com ela, é casada com aquele zarro.

Mulher de marítimo, quem não sabe? em pouco tempo é viúva, por morte de marido no mar ou por ir-se ele embora. Amor de marujo tem a duração da maré. Nem por sabê-lo fugaz, momentânea alegria, dele fugiu Tereza Batista.

Pesado preço a pagar, a vida de luto; ainda assim valeu a pena a efémera madrugada de amor: pelo mais caro preço, ai, foi barato.

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