quarta-feira, fevereiro 16, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 32



Essas raparigas de hoje são umas estouvadas, não têm juízo, não pensam no dia de amanhã, considera a velha Adriana, balançando a cabeça canosa, em conversa com Lulu Santos:

- Maluca é o que ela é, está jogando fora a sorte grande…

- A sorte grande era industrial e senador.

O rábula aparecera para visitar Tereza, a velha abre-lhe o coração:

- Tereza não pára em casa, sai logo depois do café, noite e dia atrás desse maldito canoeiro.

Moça com aquele porte e aquela figura poderia obter o bem que quisesse e entendesse na cidade de Aracajú, onde não falta homem direito, casado, de posição, com dinheiro para gastar, disposto a proteger, a assumir a responsabilidade de regalo da categoria de Tereza.

Ela, Adriana, não morre de amores por Veneranda, Lulu conhece as causas da antipatia, mas a verdade deve ser proclamada: dessa vez a enganjenta agira com a maior correcção. Mandara propor a Tereza discreto encontro no castelo, sabe Lulu com quem? Adivinhe se é capaz! Baixava a voz para revelar o nome do industrial e banqueiro, senador da República. Por uma tarde na cama com Tereza, uma tarde somente, oferecia pequena fortuna, parece tê-la de olho desde o tempo de Estância, paixão antiga, tesão cozinhada em fogo lento (desculpe Lulu a expressão, repetia frase de veneranda). A casteleira procurara Adriana de intermediária, prometendo-lhe razoável comissão.

Para Tereza, bolada maciça – mais importante ainda, porém, a possibilidade do generoso ricaço se agradar do manejo de ancas da rapariga (e certamente se agradaria), estabelecendo-a em casa forrada de um tudo. Tereza com a mão na massa e ela, Adriana, amiga do peito, catando as sobras, com as sobras se satisfaz.

Tereza desmiolada, onde tem a cabeça? Não contente de recusar, como Adriana insistisse – tinha de cumprir a palavra empenhada a Veneranda – ameaçara mudar-se. Absurdo sem sentido desprezar o homem mais rico de Sergipe por um reles marujo de água doce, onde se viu maluquice igual?

Ah! essas raparigas de hoje, cabeças de vento, só pensam em botar mas não com quem paga a pena e sim com xodós fubecas, enrabichadas por qualquer pobretão. Esquecem o primordial, o dinheiro, a mola do mundo; terminam todas num hospital de indigentes.

Lulu Santos diverte-se com o desespero da velha e ainda por cima a amola a propósito da gorjeta prometida por Veneranda: então a velha Adriana, mulher de princípios e tradição, discreta, se transformava em alcaguete a serviço da mais famigerada caftina de Aracajú? Onde enfiara o orgulho profissional?

- Lulu, os tempos estão difíceis e o dinheiro não tem marca nem cheiro.

Adriana, minha boa Adriana, deixe a moça em paz. Tereza sabe o valor do dinheiro, não se engane; mas sabe ainda mais o valor da vida e do amor. Pensa que é somente o senador quem está atrás dela, de carteira na mão e tesão de mijo (desculpe a expressão, repito também Veneranda)? Existe um poeta coberto de versos, cada estrofe valendo de per si os milhões do industrial, morrendo por ela. Se não deu ao poeta, porque houvera de dar ao patrão dos tecidos?


Não quis sequer a mim Adriana, que sou o doce de coco das mulheres de Aracajú; só quis quem lhe falou ao coração. Deixe Tereza em paz no tempo breve do amor e alegria e se prepare para dela cuidar com carinho, dando-lhe o conforto da amizade quando, amanhã ou depois, daqui a contados dias, o marinheiro for embora e começar o tempo desmedido do amargo desespero, quando ela estiver a roer beira de penico (desculpe mais essa grosseria expressão de nossa finíssima Veneranda).

Prometer, Adriana prometeu – será irmã e mãe para Tereza enxugando-lhe as lágrimas (Tereza é de choro difícil, minha velha), se bem, cabeça-de-vento, fosse ela a única culpada; lhe oferecerá o ombro e o coração. Nos olhos de Adriana, fugaz clarão de esperança: de testa fria, livre da presença do grandalhão, quem sabe Tereza reconsidere e resolva aceitar a bolada do pai-da-pátria. Adriana se satisfaz com as sobras.

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