TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Veneranda, em mesa de pista, acompanhada de irrequieta companhia de raparigas, dera a honra de sua presença: recebera procuração oral do graúdo para rasgar o jogo e oferecer quanto necessário pelo assentimento da formosa à proposta de uma tarde de folguedos no recato do castelo.
Depois, se ela lhe caísse no goto, se fosse de cachupeleta, conforme parecia, o grande homem se dispunha a protegê-la: casa, comida, conta em lojas, luxos de amásia, bombons de chocolate, relógios de ouro, anel de brilhante (pequeno), até um gigolô, se indispensável. No dorso do mar, nas alturas de Mangue Seco navega a barcaça Ventania, batida de ondas e vento sul. Ai Janu do bem-querer, tempo de maré, caminho de perdição, noite escura e vazia.
Não quero ofertas nem palmas, dinheiro a rodo não quero, nem coronel protector, tenho ódio de gigolô, os versos do poeta não quero, quero teu peito de quilha, teu aroma de maresia, tua boca de sal e gengibre. Ai Janu de nunca mais.
As luzes então se apagaram, eram onze horas da noite, a bateria do jazz irrompeu e o piston abriu alas para ela passar, a estrela candente do samba. A luz vermelha de um reflector caiu sobre a pista do baile: Tereza Batista, vestida de saiote e bata, torso de baiana, sandálias colares, pulseiras, saldo ainda da Companhia de Variedades Jota Porto & Alma e Castro, beleza muçurumim ou cigana, cabo-verde ou trigueira, mulata nacional de dengue e requebro.
Palmas e assobios, aclamações; Fori trouxe uma braçada de flores, gentilezas da casa; o poeta José Saraiva uma rosa fanada e um punhado de versos.
Por pouco, no entanto, não fracassa, mais uma vez e por idêntico motivo, a badalada estreia. Pois não é que, ao cessar das palmas, pôde-se ouvir numa das mesas da pista, a ríspida discussão entre atrevido cabuletê a ensaiar as primeiras armas na carreira de cafetão e rapariga velhusca e fatigada?
Curvara-se Tereza a agradecer flores, versos e aplausos quando ressoou a voz de ameaça do rufião fazendo a mulher choramingar:
- Lhe parto a cara!
Suspenso o busto, as mãos na cintura, aquele fulgor repentino no olhar, Tereza disse:
- Parta a cara dela, que eu quero ver mocinho… Parta na minha vista, se tem coragem.
Por um instante reinou nervosa expectativa: iria o malandrote reagir, adiando-se mais uma vez a estreia? Uma briga como aquela primeira, inesquecível? Outro dente de ouro trabalhado a capricho pelo cirurgião dentista Najar? Não reagiu o cobarde, entupigaitado, sem saber onde meter as mãos e esconder a cara, a frase de Tereza estabelecera a lei, foi quanto bastou.
Imensa ovação cobriu-lhe as palavras e nesse mar de aplausos partiu a sambar Tereza Batista, estrela do rebolado, mais uma profissão: tantas tivera e ainda teria, ela que tão-somente deseja na vida ser feliz junto a seu homem no mar.
Na véspera, á tarde, a pedido e em companhia do rábula, estivera no fórum e numa sala do cível fora apresentada ao juiz Benito Cardoso, a advogados, a promotores, a escrivães e a outros notáveis doutores: Tereza Batista estrela do palco.
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 40
Veneranda, em mesa de pista, acompanhada de irrequieta companhia de raparigas, dera a honra de sua presença: recebera procuração oral do graúdo para rasgar o jogo e oferecer quanto necessário pelo assentimento da formosa à proposta de uma tarde de folguedos no recato do castelo.
Depois, se ela lhe caísse no goto, se fosse de cachupeleta, conforme parecia, o grande homem se dispunha a protegê-la: casa, comida, conta em lojas, luxos de amásia, bombons de chocolate, relógios de ouro, anel de brilhante (pequeno), até um gigolô, se indispensável. No dorso do mar, nas alturas de Mangue Seco navega a barcaça Ventania, batida de ondas e vento sul. Ai Janu do bem-querer, tempo de maré, caminho de perdição, noite escura e vazia.
Não quero ofertas nem palmas, dinheiro a rodo não quero, nem coronel protector, tenho ódio de gigolô, os versos do poeta não quero, quero teu peito de quilha, teu aroma de maresia, tua boca de sal e gengibre. Ai Janu de nunca mais.
As luzes então se apagaram, eram onze horas da noite, a bateria do jazz irrompeu e o piston abriu alas para ela passar, a estrela candente do samba. A luz vermelha de um reflector caiu sobre a pista do baile: Tereza Batista, vestida de saiote e bata, torso de baiana, sandálias colares, pulseiras, saldo ainda da Companhia de Variedades Jota Porto & Alma e Castro, beleza muçurumim ou cigana, cabo-verde ou trigueira, mulata nacional de dengue e requebro.
Palmas e assobios, aclamações; Fori trouxe uma braçada de flores, gentilezas da casa; o poeta José Saraiva uma rosa fanada e um punhado de versos.
Por pouco, no entanto, não fracassa, mais uma vez e por idêntico motivo, a badalada estreia. Pois não é que, ao cessar das palmas, pôde-se ouvir numa das mesas da pista, a ríspida discussão entre atrevido cabuletê a ensaiar as primeiras armas na carreira de cafetão e rapariga velhusca e fatigada?
Curvara-se Tereza a agradecer flores, versos e aplausos quando ressoou a voz de ameaça do rufião fazendo a mulher choramingar:
- Lhe parto a cara!
Suspenso o busto, as mãos na cintura, aquele fulgor repentino no olhar, Tereza disse:
- Parta a cara dela, que eu quero ver mocinho… Parta na minha vista, se tem coragem.
Por um instante reinou nervosa expectativa: iria o malandrote reagir, adiando-se mais uma vez a estreia? Uma briga como aquela primeira, inesquecível? Outro dente de ouro trabalhado a capricho pelo cirurgião dentista Najar? Não reagiu o cobarde, entupigaitado, sem saber onde meter as mãos e esconder a cara, a frase de Tereza estabelecera a lei, foi quanto bastou.
Imensa ovação cobriu-lhe as palavras e nesse mar de aplausos partiu a sambar Tereza Batista, estrela do rebolado, mais uma profissão: tantas tivera e ainda teria, ela que tão-somente deseja na vida ser feliz junto a seu homem no mar.
Na véspera, á tarde, a pedido e em companhia do rábula, estivera no fórum e numa sala do cível fora apresentada ao juiz Benito Cardoso, a advogados, a promotores, a escrivães e a outros notáveis doutores: Tereza Batista estrela do palco.
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