quarta-feira, março 16, 2011

TEREZA
BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 56

Cap. Nº 9


Dona Brígida amargou noites em claro, dias de aflição, pesando prós e contras, analisando o problema, reflectindo sobre o futuro da filha. Cabia-lhe tudo calcular e decidir, a inocente menina vivia longe do mundo, interesse mesmo só pelas coisas da igreja – aluna desatenta nas aulas, a pior companheira para brincadeiras e festas; de rapazes e namoros nem falar, pobrezinha!

Dóris nascera solteirona, por assim dizer. Por temperamento e modos e por ser difícil conseguir noivado e casamento no burgo, onde sobravam moças casadoiras e rareavam pretendentes. Os rapazes, apenas emplumados, tomavam os caminhos do sul em busca das oportunidades ali tão escassas.

O orçamento municipal decorria praticamente dos impostos pagos pela usina de açúcar, de propriedade dos Guedes, banqueiros na capital, senhores de terras realmente férteis, as banhadas pelo rio; nelas cresciam os canaviais, paisagem verde em contraste com o agreste em derredor. A usina empregava uns poucos privilegiados, o medíocre comércio de lojas e armazéns acolhia alguns outros, os demais embarcavam no trem de ferro. As moças batiam-se, ferozes, na disputa dos remanescentes; de quando em quando uma arribava pelo braço de caixeiro-viajante casado e pai de filhos, fugindo à mansa loucura das vitalinas, na lama para sempre a honra da família. Vibravam as comadres.

O povo dos Guedes raramente aparecia pela cidade. Os três irmãos, as esposas, os filhos e sobrinhos iam e vinham da usina para a capital directamente, tomavam o comboio numa parada em meio ao canavial. No chalé da Praça do Convento, o ano inteiro fechado, apenas seu Lírio, jardineiro e vigia, vagava entre as árvores centenárias. Vez por outra, cada dois ou três anos, um dos irmãos, com a esposa e os filhos, comparecia à festa da Senhora de Sant’Ana, padroeira do município e da família.

Abriam-se as janelas do chalé, risos nos corredores e salas, visitas da capital, as moças locais no maior assanhamento, os rapazes de fora não davam conta de tanta fartura. Durava uma semana, dez dias, quinze no máximo. Beijadas, apertadas, dedilhadas e logo abandonadas no melhor da festa, virgens agora acendidas em brasa, as moças retornavam aos insignificantes colegas e aos infelizes balconistas, ao interior das casas e às festas de igreja, solteironas aos vinte anos. Mesmo se quisessem estender-se nos colchões do capitão, ele as recusaria por velhas e fretadas.

Fazendo-se moça e mulher na leseira da cidade, a que poderia Dóris aspirar? Concluído o curso normal no colégio das Irmãs, ou bem arranjaria, com muito pedido e pistolão, por ser órfã do doutor Ubaldo, mísero lugar de professora primária numa das poucas escolas do Município ou do estado, ou bem professaria, ingressando no convento. Regente de escola primária ou irmã de caridade, dona Brígida não conseguia enxergar terceira opção. Marido, casamento? Impossível. Outras, em melhor situação de finanças e de físico, filhas de lavradores, de comerciantes, de funcionários, bonitas, saudáveis, oferecidas, feneciam às janelas, sem possibilidades, quanto mais a triste Dóris, magricela, desajeitada, feia, taciturna, de pouca saúde e pobre de fazer dó. Só por milagre.

O milagre de súbito aconteceu: o capitão Justo demonstrava claramente seu interesse, na cidade teve início o grande festival de murmurações, as comadres no maior assanhamento.

Vinham de duas em duas, de três em três, as mais íntimas sozinhas, de preto, abanando os leques, e tome lenha no capitão!
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