TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 69
Por crime assim imenso Deus Todo Poderoso lhe deu o castigo de purgar o Inferno em vida, na casa maldita do genro, roças de terras mal adquiridas, lavoura de alugados famélicos, galos de briga com esporões de ferro, cabras de clavinote e punhal, as meninas. Meninas e moças, por vezes mulheres maduras, raras. Quantas, depois da morte de Dóris? Dona Brígida perdeu a conta, nem adiantaria somar as da roça omitindo outras tantas na casa da cidade, atrás do armazém.
Muitas coisas esquece, de outras se lembra pela metade. Esquece a ânsia, o desvario de Dóris – ainda que dona Brígida se opusesse ao casamento, Dóris, louca de orgulho e de incontinência, por seus próprios pés entraria na alcova, o noivo pela mão, cínica e devassa.
Arrancou da memória a visão de Dóris na sala de noivos, perdida a compostura, as mãos e a língua em deboche. Recuperou a filha, inocente escolar sem malícia, Os olhos baixos, prometida de Cristo, o terço na mão, língua de prece, vocação mística de freira. Vítima da ambição da Mãe e da luxúria do capitão. Lavou igualmente dos olhos e da memória a imagem de Dóris esposa apaixonada e humilde aos pés do marido, uma escrava.
Duraram dez meses o casamento e o ralo de sangue de Dóris, dez rápidos dias para sua paixão, dez séculos de humilhações e afrontas para dona Brígida. Não houve antes, não haverá depois, esposa mais devotada e ardente, Dóris atravessou aqueles dez meses em cio e a dar graças ao capitão. Voltara da lua-de-mel já de bucho cheio, numa exaltação, e nela viveu até morrer – o tempo de partir. Atenta ao menor desejo do amo e senhor seu marido, suplicando-lhe um olhar, um gesto, uma palavra, a cama.
Inchada de orgulho, pelo braço de Justiniano, nas poucas idas ao cinema, nas contadas visitas à cidade. Dona Brígida enfraqueceu o entendimento no esforço de borrar a memória das cenas indignas – Dóris agachada ante a bacia de água morna a lavar, à noite, os pés do suíno e a beijá-los. A beijá-los dedo por dedo. Vez ou outra, por pura graça, o capitão empurrava-lhe o pé na cara, lá se iam os ossos no chão. Contendo as lágrimas, Dóris fazia cara de riso, divertida brincadeira, Mãe. Assim eram os carinhos do capitão.
Quanta humilhação, Senhor! Mas Dóris se comprazia naquela vida, apenas queria deitar-se com o marido, recebê-lo entre as pernas, tristes gambitos. De começo, plena de projectos e reivindicações, dona Brígida tentara dialogar com o genro em busca de cordial entendimento.
Na mesa de jantar, expôs proposições modestas – moradia na cidade, na casa da praça da Matriz, casa própria sem despesa de aluguel: trem de vida digna de família de tanta consideração de custo reduzido, porém, pois boa parte dos produtos proviria do armazém; criadagem e costureira, essa gente trabalhava praticamente pela comida, quase de graça; receberiam os amigos, as pessoas gradas da terra, dona Brígida sabia como fazê-lo, com a necessária categoria e pequena despesa. O capitão cruzou o talher, lambeu os dedos limpando restos de feijão: - Só isso? Mais nada?
Muitas coisas esquece, de outras se lembra pela metade. Esquece a ânsia, o desvario de Dóris – ainda que dona Brígida se opusesse ao casamento, Dóris, louca de orgulho e de incontinência, por seus próprios pés entraria na alcova, o noivo pela mão, cínica e devassa.
Arrancou da memória a visão de Dóris na sala de noivos, perdida a compostura, as mãos e a língua em deboche. Recuperou a filha, inocente escolar sem malícia, Os olhos baixos, prometida de Cristo, o terço na mão, língua de prece, vocação mística de freira. Vítima da ambição da Mãe e da luxúria do capitão. Lavou igualmente dos olhos e da memória a imagem de Dóris esposa apaixonada e humilde aos pés do marido, uma escrava.
Duraram dez meses o casamento e o ralo de sangue de Dóris, dez rápidos dias para sua paixão, dez séculos de humilhações e afrontas para dona Brígida. Não houve antes, não haverá depois, esposa mais devotada e ardente, Dóris atravessou aqueles dez meses em cio e a dar graças ao capitão. Voltara da lua-de-mel já de bucho cheio, numa exaltação, e nela viveu até morrer – o tempo de partir. Atenta ao menor desejo do amo e senhor seu marido, suplicando-lhe um olhar, um gesto, uma palavra, a cama.
Inchada de orgulho, pelo braço de Justiniano, nas poucas idas ao cinema, nas contadas visitas à cidade. Dona Brígida enfraqueceu o entendimento no esforço de borrar a memória das cenas indignas – Dóris agachada ante a bacia de água morna a lavar, à noite, os pés do suíno e a beijá-los. A beijá-los dedo por dedo. Vez ou outra, por pura graça, o capitão empurrava-lhe o pé na cara, lá se iam os ossos no chão. Contendo as lágrimas, Dóris fazia cara de riso, divertida brincadeira, Mãe. Assim eram os carinhos do capitão.
Quanta humilhação, Senhor! Mas Dóris se comprazia naquela vida, apenas queria deitar-se com o marido, recebê-lo entre as pernas, tristes gambitos. De começo, plena de projectos e reivindicações, dona Brígida tentara dialogar com o genro em busca de cordial entendimento.
Na mesa de jantar, expôs proposições modestas – moradia na cidade, na casa da praça da Matriz, casa própria sem despesa de aluguel: trem de vida digna de família de tanta consideração de custo reduzido, porém, pois boa parte dos produtos proviria do armazém; criadagem e costureira, essa gente trabalhava praticamente pela comida, quase de graça; receberiam os amigos, as pessoas gradas da terra, dona Brígida sabia como fazê-lo, com a necessária categoria e pequena despesa. O capitão cruzou o talher, lambeu os dedos limpando restos de feijão: - Só isso? Mais nada?
Nenhuma outra palavra a esclarecer seu pensamento, a conversa morreu em incertezas. Poucos dias passados, a viúva soube do aluguel da casa da Praça a um protegido dos Guedes, dono de alambique de cachaça. Dona Brígida, ainda coberta de realeza e de sonhos, subiu a serra, passou do diálogo à discussão, das propostas às exigências. Dispor de sua casa sem sequer consultá-la que ousadia!
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