sábado, abril 09, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 77


Só foram encontrar a fujona no meio da noite, numa capoeira distante. O capitão condenado a repouso absoluto – o saco disforme na bacia de rosto, mergulhado numa espécie de chá feito com tapas de caixas de charutos, um porrete na cura de orquite! – comandou da cama a expedição de captura, posta sobre as ordens de Terto Cachorro. Os cabras se espalharam pela roça; Marquinho, rastreador de animais, a descobriu dormida numa moita de espinhos.
A ordem estrita do capitão era não maltratá-la, em mulher sua não admitia que outro tocasse, só ele espancava. Enrolada no lençol trouxeram-na à sua presença. O capitão, meio sentado, travesseiros nas costas, empunhava uma palmatória das grandes, pesada, de madeira de lei, antiga, do tempo da escravidão, dessa qualidade já não se faz nos dias de agora. Os cabras sujeitaram Tereza, o capitão lhe aplicou quarto dúzias de bolos, duas em cada mão. Não hei-de chorar, do meio para o fim chorava baixinho, estrangulando os soluços.
Outra vez a trancaram no quartinho dos fundos. Daí em diante, quando Guga abria a porta, um cabra se postava de guarda no corredor. No segundo dia, sendo a fome por demais, Tereza não conseguiu aguentar, limpou o prato. Não hei-de chorar, chorou; não hei-de comer, comeu. Trancada no quarto, só pensava em fugir.
Restabelecido dos ovos, retornou o capitão às lides da cama. Um dia Guga apareceu fora dos horários habituais, com ela veio um cabra trazendo bacia e um balde com água. A velha lhe entregou um bocado de sabão. é para tu tomar banho. Só depois de ter se banhado, quando Guga voltou para pendurar uma lamparina, entre o quadro da Virgem com o anjo Gabriel e a taca de sete pernas ainda suja de sangue, só então Tereza compreendeu o motivo do banho. Guga lhe entregou a encomenda:
- Ele mandou para tu vestir, foi da finada. Vê se tu hoje não grita, que o povo precisa de dormir. Camisola de cambraia e rendas, peça fina de enxoval do casamento, amarelada pelo tempo.
Porque tu não veste? Tu é maluca. A luz mortiça da lamparina iluminou o capitão a despir calça e cueca. Por via das dúvidas retirou o colar do pescoço, foi pendurá-lo em cima do quarto.
Por que não vestiu a camisola que lhe mandei, corna mal agradecida, por que desprezou meu presente? A pancadaria recomeçou, surras e gritos, tornaram-se monótonos, só dona Brígida fugia para o mato a clamar pela justiça divina – castigo para o miserável, castigo para a escandalosa; porque tanto alvoroço, tanta bordoada e tanto grito, seria essa moleca porá acaso melhor do que Dóris para se fazer tão rogada e difícil? O Inferno em vida. Obstinado e metódico o capitão prosseguiu com o tratamento tantas vezes comprovado; Tereza acabaria por aprender o medo e o respeito, por aprender obediência, mola mestra do mundo. Na pancada do malho até o ferro se dobra.
Durante uns dois meses Tereza apanhou. O tempo exacto ninguém mediu na folhinha, mas deu para o povo se habituar a dormir no embalo dos gritos. Que berros mais horríveis são esses? – quis saber um viandante curioso. Não é nada, não senhor, é uma maluca, cria do capitão. Mais ou menos dois meses Tereza aguentou. Cada vez que o capitão a teve foi na porrada. Cada novidade custou tempo e violência. Chupa, ordenava o capitão; a sediosa trancava a boca, ele batia-lhe com a fivela do cinto em cima dos lábios: abre cadela! Até abrir. Cada ensinamento durava noites e noites de aprendizagem; era preciso usar a mão aberta na cara, o punho fechado no peito, o cinto, a palmatória, a taca.

Site Meter