terça-feira, abril 12, 2011

TEREZA


BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA


Episódio Nº 79
19
Entre a roça e o armazém, Tereza Batista residiu por mais de dois anos em companhia do capitão Justo, na condição – como dizer? – digamos, de favorita. A nova amásia de capitão, na voz geral; mas o seria realmente? A condição de amásia – concubina, rapariga de casa posta, moça, amiga, manceba – implica na existência de subentendido acordo entre a escolhida e o protector; um corpo de obrigações mútuas, direitos, regalias, vantagens. Para resultar perfeita, a mancebia exige gastos de dinheiro e esforços de compreensão.
Amásia na mais completa e justa acepção da palavra era Belinda, a do meritíssimo juiz. O magistrado montara-lhe casa em beco discreto, quintal de mangueiras e cajueiros com brisa e rede, mobília singela mas decente, cortina, tapetes, e lhe oferecia, além do necessário ao passadio e ao vestuário, um dinheirinho extra para pequenas despesas. Belinha causava inveja até a senhoras casadas quando toda nos trinques e de olhos baixos, seguida pela empregada, dirigia-se à costureira. Tinha empregada para os serviços domésticos e para acompanhá-la á costureira, ao dentista, às lojas, ao cinema, pois frágil é a honra das amásias, necessita permanente cobertura.
Em troca de tais vantagens, obriga-se Belinha a oferecer ao amásio ilustre a completa intimidade de sua graciosa pessoa, a desdobrar-se em carinho e atenções, ser-lhe amável companhia, além de fiel – exigência primeira e essencial. A violação de uma outra cláusula nesses tácitos acordos de bom viver resulta da imperfeita condição humana. Veja-se Belinha: paradigma da amásia ideal, no entanto incapaz de fidelidade, inaptidão congénita em sua gentil pessoa.
Compreensivo e calejado, o meritíssimo fechava os olhos às visitas do primo da moça, em dias de audiência, em respeito aos laços familiares; sua esposa na Bahia possuía ponderável e alegre parentela masculina, como negar um primo único e furtivo à comedida Belinha, solitária durante as longas horas em que ele distribuía justiça na comarca? Corno veterano, cabrão convencido; condição de mansuetude indispensável em certos casos ao completo sucesso da perfeita amigação.
Amásia propriamente não era Tereza, se bem dormisse no leito de casal, tanto no amplo leito conjugal da casa da roça como na velha cama da casa da cidade, regalia a elevá-la acima das demais, a lhe dar categoria especial no rol das inúmeras crias, protegidas, xodós a se sucederem na vida de Justiniano Duarte da Rosa. Regalia significativa, sem dúvida, mas única – fora de uns vestidos usados do enxoval de Dóris, um par de sapatos, um pente, um espelho, berloques de mascate.
No mais, uma criada igual ás outras, no trabalho de manhã à noite; primeiro, na casa da roça; depois no balcão do armazém, quando Justiniano descobriu suas habilidades nas quatro operações e a letra legível. Criada e favorita, manteve Tereza durante dois anos e três meses o privilégio da cama de casal. Teve concorrentes e rivais, todas permaneceram nos quartinhos dos fundos, nenhuma ascendeu dos colchões de capim aos leitos de limpos lençóis.
Mulher alguma demorou-se tanto nas preferências do capitão, amigo de variar. Legiões de raparigas – meninas, moças, maduras – habitaram nas duas casa de Justiniano Duarte da Rosa, à sua disposição; o interesse do capitão, de princípio muito intenso esgotava-se em dias, semanas, raramente durava alguns meses. Lá se iam as infelizes mundo afora; a maioria para a Cuia Dágua, reduto local das mulheres da vida; umas poucas, fisicamente mais dotadas, embarcavam no trem para Aracajú ou para a Bahia, mercados maiores; há mais de vinte anos fornecia o capitão material numeroso e de qualidade variável para os centros consumidores. (clike na imagem)

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