TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio nº 91
Num espaço entre os renques de beatas – vindas para bisbilhotar, bruxas venenosas, bando de urubus – a sós com o marido, dona Beatriz não esconde a triste impressão recolhida na visita da véspera à dona Brígida e à afilhada:
- A pobre mulher vive imunda, atrás da criança, no abandono. Nestes últimos meses ainda caiu mais, dá pena. Sempre com aquelas histórias de arrepiar. Se houver um pingo de verdade no que ela conta, esse seu amigo Justiniano, nosso compadre, é o maior tarado do mundo.
O juiz repete-lhe então a mesma explicação de sempre; cabia-lhe defender o capitão a cada visita da esposa à afilhada e também a muitas outras pessoas amigas do finado doutor Ubaldo Curvelo e de dona Brígida:
- Maluca, uma pobre maluca, não resistiu à morte da filha. Vive assim porque quer, não há maneira de a convencer a cuidar-se. O que devia fazer o capitão? Mandá-la para o hospício da Bahia? Para o São João de Deus? Você sabe as condições em que vivem os loucos. Ao contrário, o compadre a mantém na roça, dá-lhe de um tudo, deixa-a cuidar da neta com a qual é realmente apegada. Para o capitão seria fácil, com as relações que possui, arranjar uma vaga para ela no auspício, estava o caso liquidado.
Acrescenta:
- Peço-lhe encarecidamente, minha amiga, evitar qualquer comentário desairoso a respeito do capitão. Seja ele o que for, é nosso compadre, e tem sido um amigo prestimoso ao qual devemos grandes favores.
- Devemos, não, meu amigo – dizia “meu amigo” pondo na voz a solenidade um tanto ridícula do meritíssimo. – Você deve… deve dinheiro, creio.
- Dinheiro para as despesas. Ou você pensa que o ordenado de juiz é suficiente para os nossos gastos?
- Não se esqueça, meu amigo – novamente o tom de mofa – que pago as minhas despesas pessoais com as rendas que herdei, aliás, com a pequena parte que você não pôs fora e que consegui salvar por milagre.
Tantas vezes já recebera o meritíssimo aquele dinheiro pelas fuças e cada vez reagia da mesma forma: erguendo as mãos para os céus, abrindo a boca para enérgico protesto; apenas não protestava, não dizia nada, como se, vítima da maior das injustiças, desistisse de qualquer indiscutível explicação ou fulminante defesa, a bem da paz conjugal.
Com um leve sorriso, dona Beatriz pousa nas unhas longas e tratadas os olhos de amêndoa – iam-lhe muito bem, disseram todos na capital – desviando-os do marido, pobre homem no esforço inútil da mímica repetida, do gesto gasto, risível.
Eustáquio dava-lhe pena, com a amásia matuta, a máscara de respeitabilidade e os versos de galo novo, corno velho. Inteiramente nas mãos do capitão, um canalha da pior espécie; a seu serviço, acobertando-lhe as bandalheiras, os malfeitos. A sorte era não existir possibilidade de reviravolta política e ser ela, dona Beatriz, parenta dos Guedes pelo lado materno, segura garantia. A eles devia Eustáquio a nomeação para a magistratura, doze anos atrás quando, ao constatar a débâcle, a herança comprometida, lhe impôs aquela solução para evitar o desquite e a desonra.
Suspendeu os ombros, não falemos mais nisso, aliás dona Brígida pouco ou nada lhe interessa. Foi visitá-la para cumprir um dever social como veio passar uns dias com o esposo, por dever social e conveniência própria: nem os filhos, ainda menos os primos, gostariam de vê-la desquitada ou largada do marido. (clik na imagem e aumente)
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