TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 112
33
Há quem despreze milagre, não serei eu. Faça pouco ou faça caso, como vosmicê preferir, como melhor entender. Vosmicê vem na maciota, com um cabedal de perguntas, cada qual mais matreira – gente que fala macio é baú de esperteza, enrola o zé-povo, obtém confissão e testemunho. Conheci um delegado igualzinho, ninguém dava nada por ele, não gritava, não batia, preso em sua mão nunca apanhou, era só na conversa mole, me conte, me diga, me faça o favor, jogando verde colhendo maduro. Vosmicê não é da polícia, eu sei, sim senhor, não estou querendo lhe ofender, não leve a mal a comparação mas indaga tanto de Tereza Batista que a gente fica com a pulga atrás da orelha, onde tem fumaça tem fogo, quem pergunta quer saber, e qual o motivo de seus cuidados? Para de volta à sua terra passar a notícia adiante, contar os particulares na roda do cais?
Pois fique sabendo que só aqui na feira vosmicê adquire para cima de trinta fascículos narrando passagens de Tereza Batista, tudo na cadência do verso, na trama e na rima. Cada um trezentos réis, não é dinheiro uma barateza; mas nesse mundo careiro, tudo pelo preço da morte, vosmicê só encontra ao alcance da pobreza do povo a poesia da vida. Em troca de ninharia vosmicê aprende valor de Tereza.
Sobre o que lhe contaram e garantiram, só adianto que milagre acontece; não tivesse a nação povoada de santos beatos e milagreiros, o que seria do povo? Padre Cícero Romão, a beata Melânia de Pernambuco, a beata Afonsina Donzela, o santo leproso das barrancas de Propriá, de nome Arlindo das Chagas, o Senhor Bom Jesus da Lapa, que é beato também e cura qualquer doença, se não fosse por eles, que acabam com a seca, com as pestes, com as enchentes do rio, que cuidam da fome, das mazelas do povo e ajudam os cangaceiros na caatinga a vingar tanta desgraça, ah! se não fosse por eles, me diga senhor, cavalheiro, o que seria da gente? Esperar adjutório de doutor, de coronel, do governo? Ai de nós, a depender do governo e dos graúdos, dos lordes, o sertão se acabava de fome e doença; se o povo ainda vive é de puro milagre.
Diz que foi o anjo Gabriel, testemunha de vista do que Tereza passou, menina estrompada, arrombada, rebocada, pipiricada, desonrada, inocente, no sangue salgada, quem fez o milagre, mas vosmicê não se espante se encontrar envolvida no caso a beata Afonsina Donzela com muito traquejo nesse capítulo: comeram seus tampos dezoito jagunços de uma assentada, o último foi Berilo Lima, pelo tamanho muito horrível do instrumento dito Berilo Pau-de-Cancela, cujo Berilo ali mesmo na hora morreu de uma dor nas entranhas; a beata no fim da folgança estava tão perfeita e cabaçuda quanto antes. Tenha sido o anjo ou a beata, ou os dois reunidos para arcar com o milagre, todo o mundo sabe que Tereza Batista quando muda de homem fica outra vez donzela, virgem de cabaço novo em folha, o buraco fechado, e isso lhe trouxe muita fama e proveito.
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Há quem despreze milagre, não serei eu. Faça pouco ou faça caso, como vosmicê preferir, como melhor entender. Vosmicê vem na maciota, com um cabedal de perguntas, cada qual mais matreira – gente que fala macio é baú de esperteza, enrola o zé-povo, obtém confissão e testemunho. Conheci um delegado igualzinho, ninguém dava nada por ele, não gritava, não batia, preso em sua mão nunca apanhou, era só na conversa mole, me conte, me diga, me faça o favor, jogando verde colhendo maduro. Vosmicê não é da polícia, eu sei, sim senhor, não estou querendo lhe ofender, não leve a mal a comparação mas indaga tanto de Tereza Batista que a gente fica com a pulga atrás da orelha, onde tem fumaça tem fogo, quem pergunta quer saber, e qual o motivo de seus cuidados? Para de volta à sua terra passar a notícia adiante, contar os particulares na roda do cais?
Pois fique sabendo que só aqui na feira vosmicê adquire para cima de trinta fascículos narrando passagens de Tereza Batista, tudo na cadência do verso, na trama e na rima. Cada um trezentos réis, não é dinheiro uma barateza; mas nesse mundo careiro, tudo pelo preço da morte, vosmicê só encontra ao alcance da pobreza do povo a poesia da vida. Em troca de ninharia vosmicê aprende valor de Tereza.
Sobre o que lhe contaram e garantiram, só adianto que milagre acontece; não tivesse a nação povoada de santos beatos e milagreiros, o que seria do povo? Padre Cícero Romão, a beata Melânia de Pernambuco, a beata Afonsina Donzela, o santo leproso das barrancas de Propriá, de nome Arlindo das Chagas, o Senhor Bom Jesus da Lapa, que é beato também e cura qualquer doença, se não fosse por eles, que acabam com a seca, com as pestes, com as enchentes do rio, que cuidam da fome, das mazelas do povo e ajudam os cangaceiros na caatinga a vingar tanta desgraça, ah! se não fosse por eles, me diga senhor, cavalheiro, o que seria da gente? Esperar adjutório de doutor, de coronel, do governo? Ai de nós, a depender do governo e dos graúdos, dos lordes, o sertão se acabava de fome e doença; se o povo ainda vive é de puro milagre.
Diz que foi o anjo Gabriel, testemunha de vista do que Tereza passou, menina estrompada, arrombada, rebocada, pipiricada, desonrada, inocente, no sangue salgada, quem fez o milagre, mas vosmicê não se espante se encontrar envolvida no caso a beata Afonsina Donzela com muito traquejo nesse capítulo: comeram seus tampos dezoito jagunços de uma assentada, o último foi Berilo Lima, pelo tamanho muito horrível do instrumento dito Berilo Pau-de-Cancela, cujo Berilo ali mesmo na hora morreu de uma dor nas entranhas; a beata no fim da folgança estava tão perfeita e cabaçuda quanto antes. Tenha sido o anjo ou a beata, ou os dois reunidos para arcar com o milagre, todo o mundo sabe que Tereza Batista quando muda de homem fica outra vez donzela, virgem de cabaço novo em folha, o buraco fechado, e isso lhe trouxe muita fama e proveito.
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