segunda-feira, maio 30, 2011

TEREZA

BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA



Episódio Nº 113





Milagre mais faceiro seu moço perguntador e muito apreciado, como trovou o cego Simão das Laranjeiras nos caminhos de Sergipe:

Foi um milagre maneiro
Singelo e verdadeiro
Com Tereza sucedido
De noite descabaçada
De dia virgem tampada.
Que me dera sucedesse
com minha velha um desses.

Há quem despreze milagres, não serei eu.

34

Aquela noite, longa de cem anos de duração, começou ali, no quintal, sob a chuva. Tereza em seus braços, Daniel beija-lhe o rosto os olhos, nas faces, na fronte, na boca. Como pode, em momentos de uma hora, transformar-se uma coisa de ruim em boa, de desgraça em alegria? Na cama, com o capitão, retesa, um nó na garganta, um bolo no estômago, asco e repulsa no corpo inteiro, por fora e por dentro. Ao sair do quarto para ir buscar a bacia com água, quando, por fim, ele a soltou, Tereza cuspira uma golfada azeda de vómito.

O vestido de chita colado ao corpo, aconchegada ao peito de Daniel – mão arisca toca-lhe o seio, lábios de chuva percorrem-lhe o rosto – Tereza é tomada por sentimentos e sensações para ela desconhecidos: moleza a descer pelas pernas, nasce-lhe um frio no ventre, um calor lhe queima as faces, súbita tristeza, vontade de chorar, vontade de rir, alegria igual só teve ao tocar a boneca na roça – solta a boneca, peste – ânsia e bem-estar tudo misturado, ah! Como é bom.

Mal ouvira o caminhão arrancar, o ruído da máquina perder-se na distância, correra a lavar-se com a água trazida na bacia para o capitão e que ele não usara na pressa de sair para a festa. Saíra com atraso, ainda estava se vestindo quando o sino da igreja badalou as nove horas; nove horas em ponto dissera o anjo, Tereza não tinha tempo de bombear água do poço para um banho completo. Na bacia de rosto – bacia dos pés de Justiniano na hora de dormir – limpou-se do capitão quanto pôde, de seu suor, de sua gosma, de seu cuspo, da gala ainda a correr-lhe nas coxas. Mas a sentia por dentro a sujar-lhe as entranhas. Ali, junto ao portão, a chuva a lava e limpa.

O coração de Tereza pulsa de encontro ao peito de Dan e ela fita a face do anjo Gabriel descido dos céus, os lábios dele são donos de sua boca, onde a ponta da língua tenta penetrar. Tereza não reage, deixa-o fazer mas ainda não participa, ainda fechada no medo e no asco.

Ali, no quintal, no começo da noite desmedida, quando Daniel lhe abriu os lábios e com a língua e dentes invadiu a sua boca, renasceu em Tereza o ódio antigo, o sentimento que a sustentou por dois meses enfrentando o capitão, antes do medo pânico fazê-la escrava. O medo persiste mas Tereza recupera o ódio, a primeira conquista na noite de retorno. Por um instante o ódio a domina, cobrindo a tristeza e a alegria, fazendo-a de tal maneira tensa que Daniel deu-se conta de algo estranho e suspendeu a carícia. A chuva o impediu de ver o clarão do relâmpago nos olhos da menina; se o tivesse visto seria capaz de entender?

Sem o suspeitar, Daniel atravessa por entre o medo e o ódio – beija-lhe os olhos, os lábios, a face, suga-lhe a língua, os lóbulos das orelhas: Tereza se entrega, não pensa mais no capitão, um desafogo por dentro. Quando. Por um instante, ele a deixa respirar, ela, sem jeito, sorri e diz:

- Ele não volta antes de o dia clarear. Se quiser, a gente pode ir lá dentro.


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