sexta-feira, junho 17, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA



Episódio Nº 129






O melhor mesmo é ir-se embora sem nada dizer. Calhordagem, sem dúvida e da grossa; a menina tão simples e crédula, cega de paixão, a julgá-lo um anjo descido do Céu, e ele a fugir de mansinho, sem uma palavra de desculpa ou de adeus. Que outra coisa pode fazer? Levá-la para a Bahia conforme prometera? Nem pensar nisso, nunca lhe passou pela cabeça tal loucura, falara no assunto para impedir lamúrias e choro, conversas de forca.

A voz de Justiniano Duarte da Rosa arranca Daniel da cama, num salto, e desperta Tereza. O capitão está parado na porta do quarto, pendente do pulso do braço direito a taca de couro cru, sob o paletó aberto o punhal e a pistola alemã:

- Cadela renegada, com você ajusto contas daqui a pouco, não perde por esperar. Se lembra do ferro de engomar? Agora vai ser o de marcar boi, tu mesma vai esquentar. – Riu o riso curto e ruim, sentença fatal.

Junto à parede, Daniel, pálido e trémulo, emudecido no susto. Dando as costas à Tereza – tinha todo o tempo para cuidar da vagabunda, por ora basta que ela pense no ferro em brasa – em dois passos o alcança e lhe aplica um pare de bofetadas na cara, arrancando-lhe sangue da boca – os dedos de Justiniano Duarte da Rosa repletos de anéis. Apavorado, Daniel limpa o canto do lábio com a mão, olha o sangue, soluça.

- Filho da puta, cachorro de gringa, lulu de francesa, lambedor de xibiu, como pôde se atrever? Sabe o que você vai fazer para começar? Para começar… - repetiu – vai me chupar o pau e todo o mundo vai ficar sabendo, aqui e na Bahia.


Abre a braguilha, tira as coisas para fora. Daniel chora, as mãos postas. O capitão segura o cabo da taca, vibra a pancada na altura dos rins: o vergalhão vermelho, o urro medonho. O estudante dobra-se, afrouxa os joelhos, mija-se todo.

- Chupa, chibungo!

Suspende o braço novamente, o couro sibila no ar – vai chupar ou não, filho da puta? Daniel engole em seco, a taca suspensa, silvando, dispõe-se a obedecer, quando o capitão sente a faca nas costas, o frio da lâmina, o calor do sangue.

Volta-se e vê Tereza de pé, a mão erguida, um clarão nos olhos, a beleza deslumbrante e o ódio desmedido. O medo onde está, o respeito ensinado, tão bem aprendido Tereza?

- Larga essa faca desgraçada, não tem medo que eu lhe mate? Tu já esqueceu?

- Medo acabou! Medo acabou, capitão!

A voz livre de Tereza cobriu os céus da cidade, ressoando por léguas e léguas, varou os caminhos do sertão, os ecos chegaram à fímbria do mar. Na cadeia, no reformatório, na pensão de Gabi, trataram-na por Tereza Medo Acabou; muitos nomes lhe deram vida afora, esse foi o primeiro.

O capitão a enxerga mas não a reconhece. É Tereza, sem dúvida, mas não a mesma por ele domada, na taca dobrada à sua vontade, aquela a quem ele ensinou o medo e o respeito, porque sem obediência, me digam, o que seria do mundo?

É outra Tereza ali começando, Tereza Medo Acabou, estranha, parece maior como se houvesse florescido nas chuvas do Inverno. É a mesma e é outra. Mil vezes ele a vira nua e a tivera no colchão de pancadas, no leito largo da roça, ali mesmo naquela cama de casa, mas a nudez de agora é diferente, resplandece o corpo de cobre de Tereza, corpo jamais tocado, jamais possuído por Justiniano Duarte da Rosa. Deixou-a menina e a encontra mulher, deixou-a escrava no medo e o medo acabou. Ela se atreveu a enganá-lo, deve morrer depois de marcada com o ferro de letras trançadas.

Brota sangue da ferida nas costas do capitão, um ardor, incómoda coceira. Ele sente o desejo nascente nos ovos, crescendo, subindo no peito, precisa tê-la uma última vez, quem sabe a primeira vez.

Justiniano Duarte da Rosa, dito capitão Justo, para dona Brígida o Porco, assombração das piores, abandonando Daniel, faz menção de avançar – aproveitou-se o mijão e em pranto convulso, nu em pelo, invade o chalé das Morais. Veio mais à frente Justiniano na intenção de agarrar a maldita, sujeitá-la na cama, romper-lhe o eterno, derradeiro cabaço, penetrar a estreita fenda, rasgar-lhe as entranhas, com esse ferro marcá-la lá dentro, apertar-lhe o pescoço, na hora do gozo matá-la; para o fazer curvou-se. Mergulhando por baixo, Tereza Batista sangrou o capitão com a faca de cortar carne seca.

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