quinta-feira, agosto 11, 2011

TEREZA

BATISTA

CANSADA

DE

GUERRA

Episódio Nº 176

Para quê tanta casa, perguntava-se Tereza a limpá-la a fundo, para quê tantos móveis e tão descomunais? Custava tempo e suor, uma trabalheira manter apresentável aquele mobiliário antigo, pesado, de jacarandá, mal tratado pelo tempo e pelo desmazelo.

Chalé e árvores, um resto de louça inglesa e talheres de prata – últimos vestígios da grandeza dos Montenegros, reduzidos a um casal de velhos. Conforme Tereza veio a saber depois, o doutor comprara casa e trastes, travessas e garfos sem discutir o preço, aliás baratíssimo. Infelizmente, alguns objectos, um relógio de pé, um oratório, imagens de santos, já tinham sido levados para o Sul pelos fuçadores de antiguidades, em troca de vinténs.

Encantara-se o doutor com as árvores e os móveis e também com a localização da casa na saída da cidade, afastada do centro, calmo recanto habitualmente sem movimento. Habitualmente porque a chegada de novos moradores trouxe em seu rastro renques de curiosos dos dois sexos, sabedores da venda do chalé e de quem o comprara, à cata de novidades para as horas de ócio, tantas.

Alguns caras-de-pau chegaram a bater palmas à porta na esperança de puxar conversa e colher notícias, mas parcimónia de palavras e caras de poucos amigos de Alfredão levaram o desânimo às hostes das beatas e dos desocupados. Puderam apenas constatar duas empregadas entregues à monumental faxina, uma delas dali mesmo, de notória preguiça provada por várias famílias, a outra, trazida de fora, de tão suja nem lhe podiam ver a cara, parecendo moleca jovem, caprichosa no trabalho. A amásia a quem se destinava aquele conforto todo só viria quando tudo estivesse pronto e acabado.

Nenhum dos xeretas, varão ou dama, mantinha dúvidas sobre o destino do chalé, ninho rico e cálido, próprio para esconder amores clandestinos, como o definiu Amintas Russo, jovem poeta reduzido a medir pano na loja do pai, burguês sem entranhas.

O doutor, sem qualquer interesse financeiro em Estância, onde aparecia de raro em raro para almoçar com João Nascimento Filho, compadre e amigo, comprara a propriedade de Montenegros para nela instalar rapariga, afirmavam beatas e ociosos, baseando-se em três razões, cada qual mais ponderável.

Na fama de mulherengo do ricaço, comentada da Bahia a Aracaju, nas duas margens do rio Real, na conveniência do lugar, estrategicamente situado entre a usina cajazeiras e a cidade de Aracaju, locais onde o doutor permanecia tempo longo a cuidar de seus negócios, e, por fim, na própria condição de Estância, formosa e doce terra, couto ideal de amigações, cidade única para nela se viver um grande amor, ainda na opinião do injustiçado Amintas.

Certa tarde, um caminhão parou em frente á casa, o chofer e dois ajudantes começaram a descarregar caixões e caixas, volumes em quantidade.: em alguns lia-se a palavra “Frágil”, impressa ou escrita a tinta. Logo encheu-se a rua, beatas e desocupados acorreram em procissão. Postados no passeio fronteiriço, identificavam os volumes: geladeira, rádio, aspirador, máquina de costura, interminável ror de coisas, o doutor não era de medir despesas. Não tardaria com certeza a chegar com a fulana. Puseram-se de atalaia, as beatas organizaram turnos, mas o doutor, quem sabe de propósito, desembarcou de um automóvel pela madrugada; o último turno das mexeriqueiras terminava às nove da noite ao som do sino da Matriz
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