sábado, outubro 29, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE

GUERRA


Episódio Nº 243

Antes de embarcar me disse para vender a Flor das Águas e ficar com o dinheiro para mim, ele não tinha ninguém no mundo e não queria que o seu saveiro apodrecesse abandonado. Vendi, mas botei o dinheiro no banco para render, assim, se ele voltar um dia, pode comprar outra embarcação. Aí está o que aconteceu.

Tereza disse apenas:

- Fico aqui até ele voltar. Se ainda me quiser, aqui me encontrará à sua espera. O nome do navio, o mestre se recorda?

- “Balboa”, como havia de esquecer? Saiu de noite, nunca mais se soube do compadre. – Uma baforada, a brasa do cachimbo acesa, a voz cálida, a confiança: - Um dia, quando menos se esperar, o compadre desembarca no cais.

6

Após a recusa da proposta de casamento, as relações entre Tereza Batista e Almério das Neves sofreram mudança subtil, porém sensível. Até então o dono da padaria fora para Tereza sobretudo um cliente. Um tanto distinto dos velhotes, não só pela idade, apenas passara dos quarenta, enquanto os outros (cinco ao todo) andavam no limite dos sessenta, mais para lá do que para cá, mas também por vê-lo e tratá-lo fora das discretas paredes do castelo, no cabaré, onde evidentemente nenhum dos conspícuos jamais se mostraria.

Almério a contar do negócio, do preço do trigo, da inesquecível falecida, das artes do menino. Tereza a ouvi-lo atenta, cliente simpático e gentil com dia e hora marcada uma vez por semana.

A tarde de crepúsculos acendendo tristezas sobre o mar influiu nessas relações, tornando-as ao mesmo tempo mais e menos íntimas. Na aparência um contra-senso; na vida das mulheres-damas, porém, sucedem coisas assim inesperadas e estranhas, supostamente sem sentido.

Menos íntimas pois não voltou Almério a tê-la nua, na cama a exercer com competência, exibida a formosura inteira, seios e bunda, a flor secreta. Perdeu a qualidade de cliente, nenhum dos dois voltando ao castelo na quinta feira às quatro da tarde, apesar de não terem conversado sobre o assunto, compreendendo ambos a impossibilidade de existir entre eles dali em diante trato de rameira e michê, impessoal e pago.

Mais íntimas porque ficaram amigos, poderosos laços de confiança e estima haviam-se estabelecido naquela tarde de corações expostos sem rebuços.

Almério continuou a vir ao Flor de Lótus com certa frequência para tomar uma cerveja, dançar um fox, acompanhar Tereza à porta de casa. Prosseguia, apaixonado, candidato à mão da sambista, mas agora nem na mão lhe tocava, não exibia melancólicos olhares de frete, não a incomodava com súplicas e propostas. Apenas a presença, a companhia.

A paixão, ele a levava no peito, assim como Tereza conduzia o amor de Janu perdido no mar largo dos cargueiros. Por vezes, ele lhe perguntava: ainda sem notícias, não soube nada do navio? Tereza suspirava. Noutras ocasiões, era ela a querer saber, se o amigo ainda não encontrara noiva a seu gosto, mulher capaz de assumir o posto vago de Natália junto ao menino e ao lado de Almério, na casa e na padaria, no leito e no coração? Suspirava o viúvo.

Não se aproveitava ele da visível solidão de Tereza na longa espera, para propor-se para substituir Januário, mas buscava distraí-la, convidando-a para festas e passeios. Iam juntos a candomblés, escolas de capoeira, ensaios de afoxés e ranchos. Sem renovar proposta, sem falar de amor, Almério sempre esteve em torno de Tereza, impedindo-a de se sentir só e abandonada, terminando ela por lhe devotar sincera amizade e ser-lhe grata.

Em tempo de desesperança e abatimento abrigou-se Tereza no calor de alguns amigos, mestre Caetano Gunzá, o pintor Jenner Augusto, Almério das Neves. Além desses, Viviana Maria Petisco, Dulcineia, a negra Domingas, Anália, todas da zona Contou também com a simpatia do povo da Rampa do Mercado, de Água dos Meninos, do Porto da Lenha.


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