quarta-feira, novembro 23, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA

Episódio Nº 264




Nascera empelicado e quem nasce empelicado é protegido de Oxalá, Lemba di Lê para os angolas. Apesar disso dona Paulina não perde a esperança e renova ebós infalíveis, um dia a casa cai e ela se verá viúva e noiva.

A outra coisa a desgostá-la era a dinheirama esperdiçada com polícias. Mantendo seu negócio em perfeita ordem, não explorando menores, não traficando em drogas, não permitindo freguês nas pensões, sente-se roubada, vítima da exploração mais injusta e sórdida quando tem de manter a mão nas economias, destinadas a lavrar terras em são Gonçalo dos Campos para engordar tipos como Peixe Cação, por exemplo, um imundo capaz de abusar das próprias filhas.

Ainda naquele dia o perverso ali estivera a lhe tomar dinheiro a pretexto de preparar o ambiente para a chegada dos marinheiros americanos. Não contente, ameaçara deus e o mundo com a transferência da zona. Se Paulina quisesse permanecer no Pelourinho, preparasse a bolsa, pois iria custar caro e, mesmo assim, as garantias seriam precárias. Dessa vez, segundo o secreta interessado em apavorá-la, a ordem vinha directamente do governador: tirem as putas do centro da cidade. Promessa feita pela esposa durante a campanha eleitoral: se o marido fosse eleito, expulsaria as rameiras para os confins de judas. Peixe Cação tripudiava.

- Agora é que eu quero ver santo de candomblé valer vocês. Se alguém quiser que a gente der um jeito, tem de gastar muito dinheiro. Vá-se preparando que é para já.

Dona Paulina de Sousa conhecera Tereza Batista por intermédio de Anália, rapariga muito risonha e quieta, o dia inteiro a cantar modas de Sergipe, nostálgicas modinhas, um passarinho. Por ser ela estanciana a se referir constantemente ao rio Piauitinga, à Cachoeira do Ouro, à velha ponte, Tereza fez-se sua amiga no Flor de Lótus e com ela recordava os sobrados coloniais, o Parque Triste, a Lua desmedida e um tempo morto. O nome do doutor nunca veio à baila, Tereza guardando avaramente para si memórias de alegria e de amor.

Inquilina de uma das pensões da ex-rainha do Carnaval, aquela onde se situavam os aposentos reais, Anália convidara Tereza a almoçar, as visitas se repetiram. Chegada a uma boa prosa, a contar e a ouvir casos, dona Paulina se afeiçoara à moça sertaneja, fina de maneiras, conversa de doutora.

Tereza lhe falava do sertão e de cidades do norte, relatando acontecimentos curiosos, histórias de bichos, gente e assombrações. Com o mesmo apreço citava um senhor distinto, um lorde ou um pé-rapado, sem eira nem beira.

Ao vê-la chegar – vim filar a bóia – dona Paulina se alegrava: tinha diversão para a tarde toda. Amália lhe segredara haver sido Tereza amásia de um ricaço em Sergipe, vivendo no luxo e no bem-bom. Não fosse tola, ligasse para dinheiro, poderia estar hoje independente, tendo arrancado do velho o que quisesse, ele era doido por ela, babadíssimo.

Quando Tereza apareceu em hora inesperada, dona Paulina estava entregue a afazeres relativos ao controle das pensões, nem assim a despediu:

- Fique junto de mim, diga ao que veio. Está precisando de dinheiro?

- Obrigado, não é isso. Amanhã o pessoal da Barroquinha tem de mudar.

- Arbitrariedade, um abuso. Hoje esteve aqui o tal de Peixe Cação, já está querendo dinheiro da gente por conta da mudança.

- Mas o pessoal da Barroquinha não vai se mudar.

Dona Paulina de Sousa arregalou os olhos:

- Vai desobedecer? E quem garante pelas consequências?


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