quinta-feira, novembro 24, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA



Episódio Nº 265



- Todo o mundo, se todo o mundo resolver não se mudar. Já falei com Vavá, penso que ele topa.

- Explique isso direito, menina, troque em miúdos.

Tereza explica mais uma vez. Forçar a mudança de um grupo de pensões é fácil, mas como irá a polícia fazer para transferir a zona inteira? Se ninguém se mudar? O pessoal da Barroquinha já se decidiu. Não se mudam.

- Não obedecem? Ah! A polícia…

Sim, a polícia vai usar da violência, prender, fazer e acontecer. Nem assim as mulheres obedecerão, nenhuma irá para os casarões do Bacalhau. Se não puderem receber homem na Barroquinha, ficam exercendo aqui e acolá, nas casas amigas. As donas das pensões aguentam os prejuízos uns dias até a polícia desistir. Com a mudança o prejuízo seria muito maior.

Isso é verdade.

Então? O pessoal do Maciel também não se muda, Vavá vai responder amanhã, mas Tereza é capaz de apostar que ele topa. Nem as pessoas do Pelourinho, nem as do Taboão, se dona Paulina estiver de acordo. Tudo depende dela.

- Maluquice! O único jeito é pagar, encher os bolsos dos tiras, sempre foi assim. Peixe Cação, aquele miserável, já começou a cobrar.

- E se nem assim adiantar? Mirabel pagou, não adiantou nada.

No meio da conversa apareceu Ariosto Álvaro Lírio, príncipe consorte. Em jovem tivera veleidades sindicais, participara de uma greve na Prefeitura para impedir aprovação de projecto de lei lesivos aos interesses públicos, greve vitoriosa. Dono de palavra fácil, pronunciara discursos na escadaria do Palácio Municipal, fora aplaudido. Guarda do movimento impressão festiva e grata. Aprova a ideia da resistência, capaz de obter resultados positivos. Não esconde o entusiasmo.

Ainda assim, dona Paulina de Sousa, mulher sensata, inimiga de decisões apressadas, não se resolve a emprestar de imediato apoio à proposta.

Tereza espera contendo a ansiedade. Se dona Paulina e Vavá disserem sim e ditarem ordens, ninguém se mudará em toda a zona, as mulheres da Barroquinha terão onde exercer, será geral a desobediência à intimidação da polícia.

- É coisa para o mundo vir abaixo – murmura a caftina.

Dona Paulina de Sousa fizera santo há muitos anos, ainda meninota, antes de ser Paulina Sururu e Rainha do Carnaval baiano, com mãe de Mariazinha de Água dos Meninos, em candomblé Angola onde reina Ogum Peixe Marinho, inkice dotado, seu guia. Volte amanhã, disse a Tereza. E o senhor, seu Ariosto, não se meta em nada disto. Fique de fora para não se prejudicar na Prefeitura.

23

Rainha de Angola, poderosa na Terra e nos Céus, nas águas também, mãe Mariazinha acolheu calorosamente a ébômim Paulina de Sousa, feita no primeiro barco posto a navegar no candomblé de Água dos Meninos pela venerável zeladora dos inkíces, naquele então apenas confirmada no manejo da folha da navalha. Noite velha, mas mãe-de-santo não tem horário de comer e de dormir, de descansar, não se pertence. Paulina salvou os santos com as palmas rituais, beijou o chão, recebeu a bênção e abriu o coração. Assunto sério, mãe. A mudança significa a ruína e dói entregar aos tiras as economias amealhadas em suor e sangue.

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