sábado, dezembro 17, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA



Episódio Nº 285


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O vereador Reginaldo Pavão não perde deixa para aparecer, projectar o nome, ganhar prestígio. Não pode ver microfone dando sopa sem dele lançar mão. É um delirante do discurso, orador barroco e analfabeto, politiqueiro, malandríssimo, um águia. Onde houver povo reunido, seja qual for o motivo, ali se apresenta e actua. Naquela tarde do balaio fechado, onde haveria de estar senão na zona?

Invejosos propalaram que para lá se dirigira com fins inconfessáveis e, não podendo dar vazão aos instintos, aproveitara-se da presença dos jornalistas e das estações de rádio para a habitual demagogia.

Línguas malignas: o prestimoso edil agiu levado por um imperativo de consciência, no desejo de servir à causa pública, servindo ao mesmo tempo às autoridades constituídas e às grandes massas populares.

Ao chegar ao Pelourinho, ao fim da tarde, após a sessão do Conselho Municipal, onde fora votada moção de boas-vindas aos navios da esquadra norte-americana, rumara como sempre para casa de dona Paulina de Sousa, à qual dá preferência pela qualidade das fêmeas, a limpeza dos aposentos e aquele propício sossego, e por ser amigo de Ariosto Alvo Lírio, de quem merece apoio e voto, uma mão lava a outra. A gorda patroa explicou o sucedido. Perdoe o bom amigo a falta involuntária, hoje não pode ser, o balaio está fechado.

Com ela se encontrava a dançarina do cabaré Flor de Lotus, divindade de olhos flamejantes, uma Vénus. Tomando da palavra a bela acrescentou. Está fechado e fechado vai permanecer até que as donas-de-pensão da Barroquinha, presas na véspera, maltratadas no xadrez, regressem às casas invadidas e as raparigas expulsas retornem aos leitos de onde foram arrancadas, sem novas ameaças de mudança.

Disposta, enérgica, apaixonada, a peregrina daria um bom vereador. Caberá às mulheres da Barroquinha o grito de aleluia. Reginaldo Pavão decide frequentar o Flor de Lótus assim o cabaré reabra as portas. Uma aparição, a rapariga.

Em seguida, o vereador foi visto andando apressado pela zona, no Pelourinho, no Taboão, no Maciel, em conversa nos bares com clientes e polícias. Dirigiu-se então à Delegacia de Jogos e Costumes onde o bacharel hélio Cotias o escutou, cordial e educado. Manteve-se porém o delegado intransigente nos propósitos de transferir os bordéis da Barroquinha para a Ladeira do Bacalhau. Mudança praticamente realizada na véspera, fazendo-se necessário apenas que as caftinas se conformem e obedeçam ao disposto pela polícia, medida tomada em benefício da colectividade.

Nesse particular, caro vereador, nada a fazer, são ordens superiores vindas de cima: com um gesto vago o delegado grifou a alta procedência da decisão.

Quanto ao resto é com o Comissário Labão, a ele cabe botar o meretrício em funcionamento. Tem de agir com rapidez e energia, pois às vinte horas os marinheiros desembarcarão.

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Ao cair da noite, a zona é uma praça de guerra. Carros de polícia desembarcaram os reforços pedidos pelo comissário, as viaturas de choque e as celulares bloqueiam estrategicamente as entradas das ruas, ladeiras e becos. Patrulhas da Polícia Militar, a cavalo, sobem e descem o Pelourinho, circulam no Maciel.

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