sexta-feira, janeiro 06, 2012

TEREZA


BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA






Episódio Nº 301




Conversavam em casa de Xangô e pela roça a calma dos afazeres domésticos sucedera às obrigações matutinas celebradas ao nascer da aurora. Mãe Senhora foi ao peji e prostrou-se aos pés de Xangô para lhe pedir as luzes necessárias a um bom entendimento.

De um prato ali posto retirou um obi e o levou para a sala de consultas e conversa. Sentada por detrás da mesa de cipós trançados, com uma pequena faca cortou a noz em quatro, após lhe retirar um pouco em cima e em baixo. Fechando os pedaços na mão, com ela tocou a testa e, pronunciando as palavras mágicas em nagô, iniciou o jogo.

Ia jogando e a cada vez que os pedaços de obi rolavam sobre a toalha de crivo, de assombro em assombro fitava a rapariga.

Mesmo querendo recordar e recordando as palavras cépticas do doutor, as lições sobre a matéria e a vida com ele aprendidas em Estância, ainda assim Tereza sentia um temor no coração, um medo antigo, de antes de ela nascer, herdado dos ancestrais.

Nada dizia, mas esperava com os nervos tensos, quem sabe a sentença final.

Três ou quatro filhas-de-santo de cócoras assistiam e ao lado de iyalorixá sentava-se uma visita grátis, Nezinho, pai-de santo em Muritiba, de saber propalado e reconhecido. Também ele repetidas vezes levantou o olhar para a moça, interrogativo. Por fim iluminou-se o rosto de mãe senhora. Deixando as quatro partes do obi sobre a mesa, ergueu as mãos com as palmas voltadas para cima e exclamou.

- Alafiá!

_ Alafiá! – repetiu Nezinho.

- Alafiá! Alafiá! No eco das filhas-de-santo a palavra da alegria e da paz se estendeu pelo terreiro.

Todos bateram palmas demonstrando satisfação. A iyalorixá e o pai-de-santo fitaram-se sorrindo e fizeram ao mesmo tempo um sinal afirmativo com a cabeça. Só então, mãe Senhora dirigiu-se a Tereza:

- Fique descansada, minha filha, tudo está bem, não há perigo à vista. Tenha confiança, os orixás são poderosos e estão junto de você. Tantos nunca vi em minha vida.

- Nem eu… - apoiou Nezinho… – Nunca topei com criatura mais bem defendida.

Ainda uma vez, mãe senhora tomou dos pedaços da noz sagrada e como se buscasse uma confirmação, após tocar na testa com o punho fechado, na mesa os atirou. Sorriram, ao mesmo tempo, ela e Nezinho. Numa reverência a mãe-de-santo de são Gonçalo do Retiro entregou ao pai do candomblé de Muritiba as quatro partes do obi. Nezinho dirigiu-se a Xangô: Kauó Kabiecie! Depois jogou e o resultado foi idêntico. Fitando Tereza, Nezinho lhe perguntou.

-Nunca encontrou em seu caminho, em hora de perigo, um velho de bordão?

- É verdade. Nunca o mesmo, mas sempre parecidos.

- Oxalá cuida de si.

Mãe Senhora renovou a certeza de que nenhum perigo a ameaçava:

- Mesmo na hora mais agoniada, quando pensar que tudo se acabou, tenha confiança, não desanime, não se renda.

- E ele?

- Não tema por você nem por ele. Iansã é poderoso e Januário é seu Ogan. Nada tema, vá em paz. Axé.

- Axé! Axé! – repetiram todos na casa de Xangô.


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