segunda-feira, fevereiro 13, 2012

GABRIELA

CRAVO

CANELA



Episódio Nº 21


Do elogio à lei e à justiça, ou sobre nascimento e nacionalidade.

Era comum tratarem-no de árabe, e mesmo de turco, fazendo-se assim necessário de logo deixar completamente livre de qualquer dúvida a condição de brasileiro, nato e não naturalizado, de Nacib. Nascera na Síria, desembarcara em Ilhéus com quatro anos, vindo num navio francês até à Baía.

Naquele tempo, no rasto do cacau dando dinheiro, chegavam à cidade de alastrada fama, diariamente, pelos caminhos do mar, do rio e da terra, nos navios, barcaças e lanchas, nas canoas, nos lombos dos burros, a pé, abrindo picadas, centenas e centenas de nacionais e estrangeiros oriundos de toda a parte: de Sergipe e do Ceará e da Itália, do Líbano e de Portugal, de Espanha e de ghettos variados.

Trabalhadores, comerciantes, jovens em busca de situação, bandidos e aventureiros, um mulherio colorido, e até um casal de gregos surgidos só Deus sabe como. E todos eles, mesmo os loiros alemães da recém-fundada fábrica de chocolate em pó e os altaneiros ingleses da Estrada de Ferro, não eram senão homens da zona do cacau, adaptados aos costumes da região ainda semibárbara com suas lutas sangrentas, tocaias e mortes.

Chegavam e em pouco eram ilheenses, dos melhores, verdadeiros grapiúnas plantando roças, instalando lojas e armazéns, rasgando estradas, matando gente, jogando nos cabarés, bebendo nos bares, construindo povoados de rápido crescimento, rompendo a selva ameaçadora, ganhando e perdendo dinheiro, sentindo-se tão dali como os mais antigos ilheenses, os filhos das famílias de antes do aparecimento do cacau.

Graças a essa gente diversa, Ilhéus começara a perder o ar de acampamento de jagunços, a ser uma cidade. Eram todos, mesmo o último dos vagabundos chegado para explorar os coronéis enriquecidos, factores do assombroso progresso da zona.

Já ilheenses por fora e por dentro, além de brasileiros naturalizados, eram os parentes de Nacib, uns Aschcar envolvidos na luta pela conquista da terra, onde seus feitos foram dos mais heróicos e comentados. Só encontraram eles comparação com os dos Badarós, de Brás Damásio, do célebre negro José Nique, do coronel Amâncio Leal.

Um deles, de nome Abdulá, o terceiro em idade, morreu nos fundos de um cabaré em Pirangi, após abater três dos cinco jagunços mandados contra ele, quando disputava pacífica partida de poker. Os irmãos vingaram sua morte de forma inesquecível. Para saber desses parentes ricos de Nacib, basta compulsar os anais do júri, ler os discursos dos promotores e advogados.

De árabe e turco muitos o tratavam, é bem verdade. Mas o faziam exactamente os seus melhores amigos e faziam numa expressão de carinho, de intimidade. De turco, ele não gostava que o chamassem, repelia irritado o apodo, por vezes chegava a se aborrecer:

- Turco é a mãe!

- Mas, Nacib…

- Tudo que quiser, menos turco. Brasileiro – batia com a mão enorme no peito cabeludo – filho de sírios, graças a Deus.

- Árabe, turco, sírio – é tudo a mesma coisa.

- A mesma coisa, um corno! Isso é ignorância sua. É não conhecer a história e a geografia. Os turcos são uns bandidos, a raça mais desgraçada que existe. Não pode haver insulto pior para um sírio que ser chamado de turco.

(click na imagem da canoa, mais um meio de transporte dos homens do cacau)

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