GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 30
Não ligava para o bar, não renovava os stocks de bebidas, nada fazia para agradar aos fregueses. Até um gramofone velho, onde tocava discos com áreas de óperas, esperava conserto, coberto de teias de aranha. Cadeiras desconjuntadas, mesas de pernas quebradas, um bilhar com o pano rasgado. Mesmo o nome do bar, pintado com cores cor de fogo sobre a imagem de um vulcão em erupção, desbotara com o tempo. Nacib comprou toda aquela porcaria e mais o nome e o ponto por pico dinheiro. O italiano só ficou com o gramofone e os discos.
Mandou pintar tudo de novo, fazer novas mesas, cadeiras, trouxe tabuleiros de damas e gamão e vendeu o bilhar para um bar de Macuco, construiu um reservado nos fundos para o jogo de pocker. Variado sortimento de bebidas, sorvete para as famílias na hora dos passeios à tarde pela nova avenida na praia e na saída dos cinemas e, mais que tudo os salgadinhos e os doces para a hora dos aperitivos.
Um detalhe aparentemente sem importância: os acarajés, os abarás, os bolinhos de mandioca e puba, as frigideiras de siri mole, de camarão e bacalhau, os doces de aipim, de milho. Tinha sido ideia de João Fulgêncio:
- Porque você não faz para vender no bar? – perguntara um dia, mastigando um acarajá da velha Filomena, preparado para o prazer exclusivo do árabe, amante da boa mesa.
No começo apenas os amigos se afreguesavam; a turma da Papelaria Modelo, vindo discutir ali após o fechamento do comércio, os amantes do gamão e das damas, e certos homens mais respeitáveis, como o Juiz de Direito e o doutor Maurício, pouco dados a se mostrarem nos bares do porto de frequência misturada, onde, não raro, explodiam rixas violentas com pancadaria e tiros de revólver.
Também logo vieram as famílias, atraídas pelo sorvete e pelos refrescos de frutas. Mas foi após ter iniciado o serviço de doces e salgados na hora dos aperitivos que a freguesia realmente começou a crescer e o bar a prosperar.
As partidas de pocker, no reservado, conheceram grande sucesso. Para esses fregueses – o coronel Amâncio Leal, o rico Maluf, o coronel Melk Tavares, Ribeirinho, o sírio Fuad da loja de calçados, Osmar Faria, cuja única ocupação era jogar pocker e pegar negrinhas no morro da Conquista, o Dr. Ezequiel, vários outros – ele guardava, pela meia-noite, pratos de frigideira, de bolinhos, de doces. A bebida corria farta, o barato da casa era alto.
Com pouco tempo o Vesúvio voltara florescer. Superou o Café Ideal, o Bar Chic, seu movimento só era inferior ao do Pinga de Ouro. Nacib não se podia queixar: trabalhava como um escravo, é bem verdade, ajudado por Chico Moleza e bico Fino, às vezes pelo moleque Tuísca, que estabelecera sua caixa de engraxar no passeio no passeio largo do bar, no lado da praça, junto às mesas ao ar livre.
Tudo ia bem, daquele trabalho ele gostava, no bar sabia-se de todas as novidades, comentavam-se os mais mínimos acontecimentos da cidade, as notícias do país e do mundo.
Uma simpatia geral cercava Nacib, “homem direito e trabalhador”, como dizia o Juiz ao sentar-se, após o jantar, numa das mesas de fora para contemplar o mar e o movimento da praça.
Tudo ia muito bem até esse dia, quando a maluca Filomena cumprira a antiga ameaça. Quem iria agora cozinhar para o bar – e para ele – Nacib cujo vício era comer bem, comidas temperadas e apimentadas? Pensar nas irmãs Dos Reis em carácter permanente era absurdo, não só elas não aceitariam, como ele não as poderia pagar.
(Ilhéus, click na imagem)
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