quarta-feira, março 14, 2012

GABRIELA

CRAVO
E
CANELA









Episódio Nº 47


A pressa que assaltara Mundinho no escritório, fazendo-o deixar os fregueses, transferindo para a tarde importantes encontros comerciais, desaparecia agora, ao aperceber-se da impaciência do Capitão. Era preciso deixar que o outro lhe oferecesse a chefia política, devia fazer-se rogado, tomado de surpresa, solicitado.

Levantou-se, andou até à janela, contemplou o mar rebentando na praia, o dia de sol:

- Por vezes pergunto a mim mesmo, Capitão, por que diabo vim me meter aqui? Afinal, podia estar gozando a vida, no rio e em São Paulo. Ainda agora, meu irmão Emílio, o deputado, me perguntou: “Ainda não te cansaste dessa loucura de Ilhéus? Não sei o que te deu para te meteres nesse buraco.” Você sabe que minha família negoceia em café, não sabe? Há muitos anos…

Tamborilava com os dedos na janela, olhava para o capitão:

- Não pense que me queixo, cacau é bom negócio. Óptimo. Mas não se pode comparar a vida daqui com a do Rio. No entanto, não quero voltar. E sabe porquê?

O Capitão gozava aquela hora de intimidade com o exportador, sentia-se vaidoso daquela amizade importante:

- Confesso minha curiosidade. Que não é só minha, é de todo o mundo. Porque você veio para aqui, eis um dos mistérios da terra…

- Porque vim, não tem importância. Porque fiquei, essa é a pergunta a fazer. Quando desembarquei aqui e me hospedei no Hotel Coelho, no primeiro dia, tive vontade de sentar no passeio e começar a chorar.

Esse atraso todo…

- Pois bem: penso que foi isso mesmo que me prendeu. Exactamente isso. Exactamente isso… Uma terra nova, rica, onde tudo está por fazer, onde tudo está começando. O que está feito, em geral, é ruim, é preciso mudar. É, por assim dizer, uma civilização a construir.

- Uma civilização a construir, bem dito… - o Capitão apoiava – Antigamente, no tempo dos barulhos, se dizia que quem chegava a ilhéus não partia nunca mais. Os pés grudavam no mel do cacau, ficavam presos para sempre. Você nunca ouviu falar?

- Já, mas como sou exportador e não fazendeiro, creio que meus pés ficaram presos foi na lama das ruas. Deu-me vontade de ficar para construir alguma coisa. Não sei se você me compreende.

- Perfeitamente.

- É claro que se não ganhasse dinheiro, se cacau não fosse o bom negócio que é, não ficaria. Mas só isso não seria suficiente para prender-me. Creio que tenho alma de pioneiro. – Riu.

- Por isso você se mete em tanta coisa? Compreendo… Compra terrenos, abre ruas, constrói casas, bota dinheiro nos negócios mais diferentes…

O Capitão foi enumerando e ao mesmo tempo dava-se conta da extensão dos negócios de Mundinho, de como o exportador estava presente em quase tudo o que se fazia em Ilhéus: a instalação de novas filiais de bancos, a empresa de ónibus, a avenida na praia, o jornal diário, os técnicos vindos para a poda do cacau, o arquitecto maluco que construíra sua casa e agora estava na moda, sobrecarregado de trabalho.

- … até artista de teatro você traz… - concluiu rindo com a alusão à bailarina chegada no Ita, pela manhã.

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