GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 61
Dizia tudo aquilo tranquilamente, como se as noites dormidas juntos não contassem, como se apenas se conhecessem.
- Mas, Gabriela…
Nem sabia como responder-lhe, esquecia os argumentos, também os insultos, a vontade de bater-lhe para ela aprender que com um homem não se brinca. Só conseguia dizer:
- Tu não gosta de mim…
- Foi bom a gente ter-se encontrado, a viagem encurtou.
- Tu não quer mesmo que eu fique?
- Pra quê? Pra passar necessidade? Num vale a pena. Tu tem tenção, vai cumprir teu destino.
- E tu qual é tua tenção?
- Quero ir prò mato, não. O resto só Deus sabe.
Ele ficou silencioso, uma dor no peito, vontade de matá-la, de acabar com a própria vida antes que a viagem terminasse. Ela sorriu:
- Importa não, Clemente.
Da Tentação na Janela
A casa de Glória ficava na esquina da praça e Glória debruçava-se à tarde na janela, os robustos seios empinados como numa oferenda aos passeantes.
Uma e outra coisa escandalizavam as solteironas que vinham para a Igreja e davam lugar aos mesmos comentários, cada dia, na hora vespertina da prece:
- Falta de vergonha…
- Os homens pecam até sem querer. Só de olhar.
- Até os meninos perdem a virgindade dos olhos…
A áspera Doroteia, toda em negro de virginal virtude, atrevia-se a murmurar em santa exaltação:
- Também o coronel Coriolano podia botar casa para a rapariga numa rua de canto. Vem e planta com ela na cara das melhores famílias da cidade. Bem no nariz dos homens…
- Pertinho da Igreja. Isso até ofende a Deus…
Do bar, repleto a partir das cinco da tarde, os homens alongavam os olhos para a janela de Glória do outro lado da praça. O professor Josué, de gravata borboleta azul com pintas brancas, o cabelo reluzente de brilhantina e as cavadas faces de tísico, alto e espigado (“como um triste eucalipto solitário” definira-se a ele num poema), um livro de versos na mão, atravessava a praça e tomava pela calçada de Glória.
Na esquina, do fundo da praça, no centro de um pequeno jardim bem cuidado de rosas-chá e açucenas, com um jasmineiro à porta, elevava-se a casa nova do coronel Melk Tavares, objecto de profundas e agras discussões na Papelaria Modelo.
Era uma casa em “estilo moderno”, a primeira a ser construída pelo arquitecto trazido por Mundinho Falcão, e as opiniões da intelectualidade local se haviam dividido, as discussões eternizavam-se. Em suas linhas claras e simples, contrastava com os sobradões pesados e as casas baixas, coloniais.
Episódio Nº 61
Dizia tudo aquilo tranquilamente, como se as noites dormidas juntos não contassem, como se apenas se conhecessem.
- Mas, Gabriela…
Nem sabia como responder-lhe, esquecia os argumentos, também os insultos, a vontade de bater-lhe para ela aprender que com um homem não se brinca. Só conseguia dizer:
- Tu não gosta de mim…
- Foi bom a gente ter-se encontrado, a viagem encurtou.
- Tu não quer mesmo que eu fique?
- Pra quê? Pra passar necessidade? Num vale a pena. Tu tem tenção, vai cumprir teu destino.
- E tu qual é tua tenção?
- Quero ir prò mato, não. O resto só Deus sabe.
Ele ficou silencioso, uma dor no peito, vontade de matá-la, de acabar com a própria vida antes que a viagem terminasse. Ela sorriu:
- Importa não, Clemente.
Da Tentação na Janela
A casa de Glória ficava na esquina da praça e Glória debruçava-se à tarde na janela, os robustos seios empinados como numa oferenda aos passeantes.
Uma e outra coisa escandalizavam as solteironas que vinham para a Igreja e davam lugar aos mesmos comentários, cada dia, na hora vespertina da prece:
- Falta de vergonha…
- Os homens pecam até sem querer. Só de olhar.
- Até os meninos perdem a virgindade dos olhos…
A áspera Doroteia, toda em negro de virginal virtude, atrevia-se a murmurar em santa exaltação:
- Também o coronel Coriolano podia botar casa para a rapariga numa rua de canto. Vem e planta com ela na cara das melhores famílias da cidade. Bem no nariz dos homens…
- Pertinho da Igreja. Isso até ofende a Deus…
Do bar, repleto a partir das cinco da tarde, os homens alongavam os olhos para a janela de Glória do outro lado da praça. O professor Josué, de gravata borboleta azul com pintas brancas, o cabelo reluzente de brilhantina e as cavadas faces de tísico, alto e espigado (“como um triste eucalipto solitário” definira-se a ele num poema), um livro de versos na mão, atravessava a praça e tomava pela calçada de Glória.
Na esquina, do fundo da praça, no centro de um pequeno jardim bem cuidado de rosas-chá e açucenas, com um jasmineiro à porta, elevava-se a casa nova do coronel Melk Tavares, objecto de profundas e agras discussões na Papelaria Modelo.
Era uma casa em “estilo moderno”, a primeira a ser construída pelo arquitecto trazido por Mundinho Falcão, e as opiniões da intelectualidade local se haviam dividido, as discussões eternizavam-se. Em suas linhas claras e simples, contrastava com os sobradões pesados e as casas baixas, coloniais.
(Click na imagem do Professor Josué "de gravata borboleta azul e um livro de versos na mão")
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