Mário Soares (continuação)
Fui à sala de audiências cumprimentá--lo e ele disse-nos, quer ao Zenha quer a mim: "Vão-se embora. É uma imprudência virem cá!" Nunca mais lá fomos, aquilo teve várias sessões, Ele portou-se com uma grande heroicidade, como aliás o Octávio Pato, de quem fui advogado, depois.
Mais tarde houve uma pessoa que veio ter comigo, mandada pela direcção do partido - do P como eles diziam - para me tentar convencer a voltar para o Partido. Disse-lhe que nem pensar nisso! Mas muito depois disso, já eu era advogado, com algum nome, defendi no plenário gente de todas as orientações ideológicas - e outro dirigente do Partido, que eu conhecia bem, veio falar comigo em termos conspirativos.
Estavam preocupados porque o general Delgado tinha de ser operado na Checoslováquia. Era uma coisa séria, tinham medo que ele morresse. E como eu já tinha uma reputação de não comunista, pediram- -me que fosse ver o general Delgado, à Checoslováquia. Para poder testemunhar em caso de necessidade. "Mas como é que eu vou à Checoslováquia?", perguntei. "Isso é connosco.
Vais até à Itália, apresentas-te numa embaixada que te vamos dizer - era Cuba - eles dão-te um passaporte falso e ensinam-te como é. "Fui, foi a primeira vez que entrei num país do Leste Europeu. Deram-me um passaporte, era o senhor Díaz, espanhol, mas com a minha cara e as minhas impressões digitais. E só utilizava o passaporte a partir de Zurique. Até à Itália fui com o meu passaporte português." Perguntei-lhes: "E então em Praga?" "Em Praga não temos problemas, chegas lá e há um tipo com dois metros de altura que está a atender as pessoas, toda a gente o vê, não podes deixar de o ver. Diz-lhe que és o senhor Díaz."
Assim fiz. Ele levou-me a um tipo do PCP que estava do outro lado, já passada a fronteira, que me depositou num hotel e me disse que devia sair o menos possível. Não cumpri. Depois fui ver o general, que estava muito doente, muito em baixo. Quando me viu ficou entusiasmado! Mandou vir champanhe da Crimeia para celebrarmos. Eu tinha sido da campanha dele, na qualidade de não comunista...
Na qualidade de antifascista... Sim. Tinha entrado no chamado Directório Democrático-Social, contra a vontade de muitos amigos meus, que achavam que era demasiado de direita. Mas eu disse-lhes que era o preço que tinha a pagar para fazer a actividade permanente antifascista e antiditadura que nunca deixei de fazer, sem ser preso continuamente. Os meus amigos acabaram por se convencer que não me fez mal nenhum ter estado no Directório. Os comunistas acusaram-me de ser de direita, burguês, anticomunista. Mas isso não tinha importância nenhuma, quanto mais dissessem melhor...
Disseram-no depois muitas vezes... Isso até era bom, só me dava vantagens.
Fui lá ver o general Delgado - o único que teve a coragem de o visitar em Praga. Ficou radiante. Chamava-me "o homem dos barbas". Tinha ciúmes do Jaime Cortesão e do Azevedo Gomes, porque eles eram, para mim, as grandes figuras de referência da oposição. Eram os nossos mestres. Eu reconhecia os dois como mestres e inspiradores.
O Humberto Delgado acordou tarde para a política...
Delgado, em jovem, era fascista! Escreveu um manual da Legião Portuguesa! Durante a guerra civil espanhola esteve do lado dos franquistas. Só mudou na América, depois da guerra. Como o Henrique Galvão, aliás.
Então ele disse-me: "Você é um homem dos barbas, mas eu sempre gostei de si." "Senhor General, eu ajudei-o imenso, na sua Candidatura. Estou aqui para lhe dizer que estou disposto a continuar a ajudá-lo, se precisar de alguma coisa. Sabe que eu não sou comunista." E ele disse: "Estou rodeado desses tipos! Vim, para aqui, estive quase à morte, mas trataram-me bem. Não vou morrer. Ainda terei tempo para vencer o Salazar!" Era um personagem de grande coragem e muito espontâneo.
Uma das suas prisões mais violentes foi quando denunciou o escândalo dos "Ballet Rose". Foi em Dezembro de 1967. Como é que soube do caso?
Fez-me passar o Natal e o Ano Novo em Dezembro de 1967 na cadeia! Puseram--me na rua depois, porque eu requeri o Habeas Corpus. Foi o primeiro Habeas Corpus requerido. O tribunal deu-me razão e tiveram de me pôr na rua. Tinha passado um frio horroroso, havia imensa humidade nas paredes, não havia suficientes mantas. Eu estive completamente isolado em Caxias.
Foi torturado nessa altura?
Nunca fui torturado, fisicamente. Isto é, nunca me bateram.
Mas sofreu a tortura do sono?
(continua)
Mais tarde houve uma pessoa que veio ter comigo, mandada pela direcção do partido - do P como eles diziam - para me tentar convencer a voltar para o Partido. Disse-lhe que nem pensar nisso! Mas muito depois disso, já eu era advogado, com algum nome, defendi no plenário gente de todas as orientações ideológicas - e outro dirigente do Partido, que eu conhecia bem, veio falar comigo em termos conspirativos.
Estavam preocupados porque o general Delgado tinha de ser operado na Checoslováquia. Era uma coisa séria, tinham medo que ele morresse. E como eu já tinha uma reputação de não comunista, pediram- -me que fosse ver o general Delgado, à Checoslováquia. Para poder testemunhar em caso de necessidade. "Mas como é que eu vou à Checoslováquia?", perguntei. "Isso é connosco.
Vais até à Itália, apresentas-te numa embaixada que te vamos dizer - era Cuba - eles dão-te um passaporte falso e ensinam-te como é. "Fui, foi a primeira vez que entrei num país do Leste Europeu. Deram-me um passaporte, era o senhor Díaz, espanhol, mas com a minha cara e as minhas impressões digitais. E só utilizava o passaporte a partir de Zurique. Até à Itália fui com o meu passaporte português." Perguntei-lhes: "E então em Praga?" "Em Praga não temos problemas, chegas lá e há um tipo com dois metros de altura que está a atender as pessoas, toda a gente o vê, não podes deixar de o ver. Diz-lhe que és o senhor Díaz."
Assim fiz. Ele levou-me a um tipo do PCP que estava do outro lado, já passada a fronteira, que me depositou num hotel e me disse que devia sair o menos possível. Não cumpri. Depois fui ver o general, que estava muito doente, muito em baixo. Quando me viu ficou entusiasmado! Mandou vir champanhe da Crimeia para celebrarmos. Eu tinha sido da campanha dele, na qualidade de não comunista...
Na qualidade de antifascista... Sim. Tinha entrado no chamado Directório Democrático-Social, contra a vontade de muitos amigos meus, que achavam que era demasiado de direita. Mas eu disse-lhes que era o preço que tinha a pagar para fazer a actividade permanente antifascista e antiditadura que nunca deixei de fazer, sem ser preso continuamente. Os meus amigos acabaram por se convencer que não me fez mal nenhum ter estado no Directório. Os comunistas acusaram-me de ser de direita, burguês, anticomunista. Mas isso não tinha importância nenhuma, quanto mais dissessem melhor...
Disseram-no depois muitas vezes... Isso até era bom, só me dava vantagens.
Fui lá ver o general Delgado - o único que teve a coragem de o visitar em Praga. Ficou radiante. Chamava-me "o homem dos barbas". Tinha ciúmes do Jaime Cortesão e do Azevedo Gomes, porque eles eram, para mim, as grandes figuras de referência da oposição. Eram os nossos mestres. Eu reconhecia os dois como mestres e inspiradores.
O Humberto Delgado acordou tarde para a política...
Delgado, em jovem, era fascista! Escreveu um manual da Legião Portuguesa! Durante a guerra civil espanhola esteve do lado dos franquistas. Só mudou na América, depois da guerra. Como o Henrique Galvão, aliás.
Então ele disse-me: "Você é um homem dos barbas, mas eu sempre gostei de si." "Senhor General, eu ajudei-o imenso, na sua Candidatura. Estou aqui para lhe dizer que estou disposto a continuar a ajudá-lo, se precisar de alguma coisa. Sabe que eu não sou comunista." E ele disse: "Estou rodeado desses tipos! Vim, para aqui, estive quase à morte, mas trataram-me bem. Não vou morrer. Ainda terei tempo para vencer o Salazar!" Era um personagem de grande coragem e muito espontâneo.
Uma das suas prisões mais violentes foi quando denunciou o escândalo dos "Ballet Rose". Foi em Dezembro de 1967. Como é que soube do caso?
Fez-me passar o Natal e o Ano Novo em Dezembro de 1967 na cadeia! Puseram--me na rua depois, porque eu requeri o Habeas Corpus. Foi o primeiro Habeas Corpus requerido. O tribunal deu-me razão e tiveram de me pôr na rua. Tinha passado um frio horroroso, havia imensa humidade nas paredes, não havia suficientes mantas. Eu estive completamente isolado em Caxias.
Foi torturado nessa altura?
Nunca fui torturado, fisicamente. Isto é, nunca me bateram.
Mas sofreu a tortura do sono?
(continua)
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