sexta-feira, março 23, 2012

MÁRIO SOARES

Mário Soares tem hoje 87 anos e concedeu, em Dezembro de 2009, à jornalista Ana Sá Lopes uma entrevista a propósito do seu 85º Aniversário.

Mário Soares vai fazer em 7 de Dezembro próximo 88 anos e constitui, pelo extraordinário protagonismo político que teve, um retrato vivo da política nacional dos últimos 50 anos, um retrato vivo do país que fomos e que somos, razões mais que suficientes para passarmos aqui, no Memórias Futuras, em pequenos episódios, essa entrevista:



"Se o país fosse uma família, um único português cabia no lugar do pater familiae: Chama-se Mário Alberto Nobre Lopes Soares e faz hoje 85 anos. Foi o máximo denominador comum entre a esquerda e a direita no Portugal do pós-25 de Abril, como o tinha sido já no combate à ditadura. Hoje, prepara o seu "ensaio autobiográfico político e ideológico" - já escreveu cinco capítulos - e mantém intacta a intervenção política. Acha o momento actual "perigoso" e não se conforma com a acção política do seu velho amigo Manuel Alegre.


Quando foi militante do PCP dava-se bem com Álvaro Cunhal? Ele tinha sido seu professor...Professor não, regente de estudos... Ele não podia ser professor, porque o regime achava que ele não tinha "idoneidade moral", apesar de ser licenciado em direito. Eu depois também não pude ser professor, nem do colégio do meu pai. Era formado em história e filosofia, mas não podia ser professor porque não tinha "idoneidade moral", como dizia a PIDE...


E como era a sua relação com Cunhal nesse tempo?Álvaro Cunhal tinha uma personalidade impressionante. Um olhar irradiante e incisivo, uma cabeça invulgar. Era de estatura mediana, muito magro, nessa altura. Esteve um ano e meio - não mais - no colégio do meu pai, antes de ir para a clandestinidade. Foi meu explicador, eu andava no 6º e 7º anos. Ensinou-me geografia. Uma vez perguntaram-lhe isso. Respondeu: "O pai dele pediu-me para lhe ensinar as coordenadas celestes. Ele aprendeu, com muita facilidade. As terrestres, é que nunca aprendeu..." (risos)


No PCP era uma pessoa importante no partido?


- Fui comunista entre 1942 e 1949. Sete anos. Nunca fui importante no partido. Tinha a missão de controlar movimentos antifascistas, como o MUD Juvenil. Eu tinha dentro do partido a missão de ser antifascista e nunca apresentar-me como partidário. Mas tinha reuniões com uma célula do partido. Fui um dos fundadores do MUD Juvenil. E o representante dos jovens, no MUD. Depois, quando foi da Candidatura de Norton de Matos, fui uma espécie de secretário do general. Montei a Secretaria e controlava o aparelho.

E, então, a direcção do Partido quis que eu dissesse a Norton de Matos que era junto dele o representante do PCP. Respondi-lhes: "Isso é uma loucura, como é que vocês querem que eu vá fazer isso a meio da campanha? Já mediram as consequências desse acto que me impõem?" Mas por que é que o obrigaram a fazer isso? Ainda hoje não percebo. Queriam ter um representante directo na comissão central da Candidatura do Norton de Matos, para afirmar o partido. Mas também poderia ser por outra razão.

Quando se dissesse que eu era o representante do Partido Comunista na Candidatura de Norton de Matos, toda a gente começava a falar. Havia lá muitos republicanos, muitos anticomunistas. E eu teria provavelmente de passar à clandestinidade... Coisa que sempre me recusei a fazer. É outra explicação que me ocorreu a posteriori. Veio de propósito um membro do Secretariado, Alberto, para me convencer. Tivemos um encontro em Lisboa, durante uma tarde inteira. Disse-lhe que era uma estupidez, uma irracionalidade. Estava muita gente na minha mão e na da nossa equipa. Muitos dos quais tinham sido do MUD Juvenil. Diga-se, que eram quase todos comunistas como eu.

"Se eu vou dizer isso ao general, ele vai ficar furioso." Mas insistiram, insistiram, invocando a disciplina partidária. Respondi: "Se vocês me obrigam a fazer esse disparate, cumpro. Mas é a última vez que cumpro, porque saio do partido." E assim fiz. Fui dizer ao general Norton de Matos que era comunista...Antes de dizer ao general, disse ao prof. Azevedo Gomes, que era muito meu amigo, de excepcional bondade e senso político. Preveniu-me que o general iria reagir muito mal. (continua)

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