GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 63
- Lá está a peste de olho no rapaz…
As solteironas, os longos vestidos negros fechados no pescoço, negros xales aos ombros, pareciam aves nocturnas paradas no átrio da pequena igreja. Viam o movimento da cabeça de Glória acompanhando Josué no passeio da casa do coronel Melk.
- Ele é um moço direito. Só tem olhos para Malvina.
- Vou fazer uma promessa a São Sebastião – dizia a roliça Quinquina – para Malvina gostar dele. Trago uma vela das grandes.
- E eu trago outra… – reforçava a franzina Florzinha, em tudo solidária com a irmã.
Na janela, glória suspirava, quase um gemido. Ânsia, tristeza, indignação, misturavam-se nesse suspiro a morrer na praça.
De indignação estava cheio seu peito, contra os homens em geral. Eram covardes e hipócritas. Quando, nas horas de mormaço do meio da tarde, a praça vazia, as janelas das casas de família fechadas, ao passarem sozinhos ante a janela aberta de Glória, sorriam para ela, suplicavam-lhe um olhar, desejavam-lhe boa tarde com visível emoção.
Mas bastava que houvesse alguém na praça, uma única solteirona que fosse, ou que viessem acompanhados, para que lhe virassem a cara; olhassem para outro lado, acintosamente, como se lhes repugnasse vê-la na janela, os altos seios saltando da bordada blusa de cambraia.
Vestiam o rosto de ofendida pudicícia mesmo os que antes lhe dito galanteios ao passar sozinhos. Glória gostaria de dar-lhes com a janela na cara, mas, ah! Não tinha forças para fazê-lo, aquela chispa de desejo nos olhos dos homens era tudo quanto possuía na sua solidão. Demasiado pouco para a sua sede e a sua fome. Mas, se lhes batesse com a janela, perderia até mesmo aqueles sorrisos, aqueles olhares cínicos, aquelas medrosas e fugidias palavras.
Não havia mulher casada em Ilhéus, onde mulher casada vivia no interior de suas casas, cuidando do lar, tão bem guardada e inacessível como aquela rapariga. O coronel Coreolano não era homem para brincadeiras.
Tanto medo lhe tinham que não se animavam sequer a cumprimentar a pobre Glória. Só Josué era diferente. Vinte vezes cada tarde seu olhar se acendia ante o portão de Malvina. Glória sabia da paixão do professor e também ela antipatizava com moça estudante, indiferente a tanto amor, tratava-a de enjoada e tola.
Sabia da paixão de Josué, mas nem por isso deixava de sorrir-lhe o mesmo sorriso de convite e de promessa e era-lhe grata porque ele, jamais, mesmo quando Malvina estava no portão da casa nova sob o jasmineiro em flor, lhe virava o rosto. Ah, se ele tivesse um pouco mais de coragem e empurrasse no meio da noite, a porta da rua que Glória deixava aberta, pois, quem sabe?, de repente… Então ela o faria esquecer a moça orgulhosa.
Josué não se atrevia a empurrar a maciça porta da rua. Ninguém se atrevia. Medo da língua afiada das solteironas, da gente da cidade a falar mal da vida alheia, medo do escândalo, mas medo sobretudo do coronel Coriolano Ribeiro. Todos sabiam da história de Juca e de Chiquinha.
Naquele dia, Josué viera bem mais cedo, na hora da sesta na praça deserta. A frequência no bar reduzia-se a alguns caixeiros-viajantes, ao Doutor e ao Capitão disputando uma partida de damas. Enoch para festejar a equiparação do colégio, dera a tarde de folga aos alunos. O professor andara pela feira, assistira à chegada de um numeroso grupo de retirantes ao “mercado de escravos”, demorara-se na Papelaria Modelo, tomava agora uma mistura no bar, conversando com Nacib:
- Uma quantidade de retirantes. A seca está comendo o sertão.
- Lá está a peste de olho no rapaz…
As solteironas, os longos vestidos negros fechados no pescoço, negros xales aos ombros, pareciam aves nocturnas paradas no átrio da pequena igreja. Viam o movimento da cabeça de Glória acompanhando Josué no passeio da casa do coronel Melk.
- Ele é um moço direito. Só tem olhos para Malvina.
- Vou fazer uma promessa a São Sebastião – dizia a roliça Quinquina – para Malvina gostar dele. Trago uma vela das grandes.
- E eu trago outra… – reforçava a franzina Florzinha, em tudo solidária com a irmã.
Na janela, glória suspirava, quase um gemido. Ânsia, tristeza, indignação, misturavam-se nesse suspiro a morrer na praça.
De indignação estava cheio seu peito, contra os homens em geral. Eram covardes e hipócritas. Quando, nas horas de mormaço do meio da tarde, a praça vazia, as janelas das casas de família fechadas, ao passarem sozinhos ante a janela aberta de Glória, sorriam para ela, suplicavam-lhe um olhar, desejavam-lhe boa tarde com visível emoção.
Mas bastava que houvesse alguém na praça, uma única solteirona que fosse, ou que viessem acompanhados, para que lhe virassem a cara; olhassem para outro lado, acintosamente, como se lhes repugnasse vê-la na janela, os altos seios saltando da bordada blusa de cambraia.
Vestiam o rosto de ofendida pudicícia mesmo os que antes lhe dito galanteios ao passar sozinhos. Glória gostaria de dar-lhes com a janela na cara, mas, ah! Não tinha forças para fazê-lo, aquela chispa de desejo nos olhos dos homens era tudo quanto possuía na sua solidão. Demasiado pouco para a sua sede e a sua fome. Mas, se lhes batesse com a janela, perderia até mesmo aqueles sorrisos, aqueles olhares cínicos, aquelas medrosas e fugidias palavras.
Não havia mulher casada em Ilhéus, onde mulher casada vivia no interior de suas casas, cuidando do lar, tão bem guardada e inacessível como aquela rapariga. O coronel Coreolano não era homem para brincadeiras.
Tanto medo lhe tinham que não se animavam sequer a cumprimentar a pobre Glória. Só Josué era diferente. Vinte vezes cada tarde seu olhar se acendia ante o portão de Malvina. Glória sabia da paixão do professor e também ela antipatizava com moça estudante, indiferente a tanto amor, tratava-a de enjoada e tola.
Sabia da paixão de Josué, mas nem por isso deixava de sorrir-lhe o mesmo sorriso de convite e de promessa e era-lhe grata porque ele, jamais, mesmo quando Malvina estava no portão da casa nova sob o jasmineiro em flor, lhe virava o rosto. Ah, se ele tivesse um pouco mais de coragem e empurrasse no meio da noite, a porta da rua que Glória deixava aberta, pois, quem sabe?, de repente… Então ela o faria esquecer a moça orgulhosa.
Josué não se atrevia a empurrar a maciça porta da rua. Ninguém se atrevia. Medo da língua afiada das solteironas, da gente da cidade a falar mal da vida alheia, medo do escândalo, mas medo sobretudo do coronel Coriolano Ribeiro. Todos sabiam da história de Juca e de Chiquinha.
Naquele dia, Josué viera bem mais cedo, na hora da sesta na praça deserta. A frequência no bar reduzia-se a alguns caixeiros-viajantes, ao Doutor e ao Capitão disputando uma partida de damas. Enoch para festejar a equiparação do colégio, dera a tarde de folga aos alunos. O professor andara pela feira, assistira à chegada de um numeroso grupo de retirantes ao “mercado de escravos”, demorara-se na Papelaria Modelo, tomava agora uma mistura no bar, conversando com Nacib:
- Uma quantidade de retirantes. A seca está comendo o sertão.
(Click na imagem da Malvina desta vez a cores)
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