quinta-feira, abril 05, 2012

GABRIELA

CRAVO

E

CANELA



Episódio Nº 66


Lei antiga, vinda dos primeiros tempos do cacau, não estava no papel nem constava do Código; era no entanto das mais válidas das leis, e o júri, reunido para decidir da sorte do matador, a confirmava unanimemente cada vez como a impô-la sobre a lei escrita mandando condenar quem matava seu semelhante.

Apesar da recente concorrência dos três cinemas locais, dos bailes e chás-dançantes do Clube Progresso, das partidas de futebol nas tardes de Domingo e das conferências – literatos da Bahia e até mesmo do Rio, arribando a Ilhéus na caça de uns mil-réis na terra inculta e rica – a sessão do júri, duas vezes por ano, era ainda a diversão mais animada e concorrida da cidade.

Existiam advogados famosos, como o Dr. Ezequiel Prado e o Dr. Maurício Caíres, o rábula João Peixoto, de retumbante voz, oradores aplaudidos, retóricos eminentes, fazendo a assistência fremir e chorar.

O Dr. Maurício Caíres, homem muito da igreja e dos padres, presidente da confraria de São Jorge, era especialista em citações da Bíblia. Fora seminarista antes de entrar para a Faculdade, gostava de frases em latim, havia quem o considerasse tão erudito quanto o Doutor.

No júri, os duelos oratórios duravam horas e horas, com réplicas e tréplicas, atravessavam pelas madrugadas, eram os acontecimentos culturais mais importantes de Ilhéus.

Faziam-se apostas volumosas na absolvição ou na condenação, a gente de Ilhéus gostava de jogar e tudo lhe servia de pretexto. Noutras ocasiões, agora mais raras, o resultado do júri dava lugar a tiroteios e novas mortes.

O coronel Pedro Brandão, por exemplo, fora assassinado na escadaria da Intendência, ao ser absolvido pelo júri. O filho de Chico Martins, a quem o coronel e seus jagunços haviam morto barbaramente, fez justiça com as próprias mãos.

Nenhuma aposta se aceitava porém, quando o júri se reunia para decidir sobre crime de morte em razão de adultério: sabiam todos ser a absolvição unânime do marido ultrajado, a acusação e a defesa, e também na expectativa de detalhes escabrosos e picarescos, escapando dos autos ou da falação dos advogados.

Condenação de assassínio, isso jamais!, era coisa contra a lei da terra mandado lavar com sangue a honra manchada do marido.

Comentava-se e discutia-se apaixonadamente a tragédia de Sinhàzinha e do dentista. Divergiam as versões do sucedido, opunham-se detalhes, mas numa coisa todos concordavam: em dar razão ao coronel, em louvar-lhe o gesto de macho.

Das Meias Pretas

Crescia o movimento no bar Vesúvio em dia de feira, mas naquela tarde de morte violenta havia uma frequência absolutamente anormal, uma animação quase festiva.

Além dos fregueses habituais do aperitivo, do pessoal vindo para a feira, inúmeros outros apareciam para colher e comentar novidades. Iam até à praia espiar a casa do dentista, ancoravam no bar:

- Quem havia de dizer! Não saía da igreja…

Nacib, atarefado de mesa em mesa, activava os empregados, calculando mentalmente os lucros. Um crimezinho assim, todos os dias, e logo poderia ele comprar as sonhadas roças de cacau.

(Click na imagem dos coroneis Amâncio, Jesuíno Mendonça e o "todo poderoso" Ramiro Bastos)

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