domingo, abril 22, 2012


HOJE É DOMINGO
(Da minha Cidade de Santarém)




OLHOS NOS OLHOS

Por que se diz que os olhos são o espelho da alma?

 – Porque, para além de serem órgãos de visão, no caso particular da espécie humana, eles evoluíram para órgãos de comunicação que permitem aos seus pares perceberem, através deles, pensamentos e estados de alma.

Lembro bem, que quando era estudante, preferia as provas orais às escritas porque nestas me faltavam os olhos dos professores, olhos nos olhos, para me orientarem na resposta.

Quando olhamos para uma pessoa, mesmo a uma distância razoável, graças ao contraste entre a esclerótica (o chamado branco do olho) e a íris, podemos ver com nitidez para onde os seus olhos estão a apontar, independentemente do sítio para onde o seu rosto está virado.

De mais perto, podemos ver se os olhos estão dilatados, graças ao contraste entre a íris e a pupila. Somos os únicos, entre os primatas, que possui janelas através das quais os outros podem olhar.

Os investigadores japoneses examinaram noventa e duas espécies de primatas e descobriram que somos a única na qual os contornos do olho e a posição da íris são claramente visíveis. Em todas as outras a esclerótica é pigmentada de modo a fornecer um contraste baixo. Além disso, em comparação com outros primatas, nos seres humanos a porção do olho visível é desproporcionalmente grande e alongada no sentido horizontal.

Os gorilas, por exemplo, sendo muito maiores que nós, a dimensão do olho exposto é mais pequena o que faz com que os seus olhos se pareçam a contas, ou seja: “enquanto os olhos dos outros primatas evoluíram para serem difíceis de ver, para ocultarem e não revelarem informação sobre eles próprios – qualquer coisa que será o equivalente natural aos óculos escuros de sol ou de janelas com as cortinas corridas – os dos humanos abriram-se à leitura pelos outros do que vai dentro deles.”

Com aqueles adereços, os óculos escuros, pretendemo-nos ocultar, esconder, ver sem sermos vistos, por outras palavras: favorecem a “segregação” e não o “igualitarismo” que permitiu aos pequenos grupos de humanos, caçadores recolectores estabeleceram entre os seus membros a cooperação desviando-se, neste aspecto, da sociedade dos chimpanzés.

Assim que o igualitarismo estabilizou o suficiente nas primeiras comunidades dos nossos antepassados, logo a evolução genética começou a conferir novas formas às nossas mentes e aos nossos corpos de modo a funcionarem como “jogadores de uma equipa em vez de entrarem em competição com membros do próprio grupo.”

Estamos, assim, confrontados com o mistério do olhar que Hegel afirmava ser “o abismo do mundo”.

Num olhar, alguém vem à janela de si próprio e nos visita. Tapam-se os olhos aos condenados à morte porque o seu olhar é intolerável.

Por vezes, olhamo-nos ao espelho e perguntamo-nos: “quem é este que nos vê?”.

Essa estranheza assalta-nos até no olhar de um animal:

 - Um cão abandonado pelos donos veio parar, há anos, ao jardim da minha rua e o que mais me impressionou foi o seu olhar de tristeza, de desinteresse pela vida após o abandono. O Amarelo, assim o baptizámos, foi adoptado, protegido e cuidado por mim e pelos meus vizinhos ao longo dos anos sem que ele, no entanto, tivesse perdido completamente o seu olhar de tristeza.

Mas temos outros olhares: de ternura, meiguice, arrogância, terror, súplica, gozo, aquele que baila num sorriso, disperso, concentrado, desprezo, desdém, sedução, vergonha e, finalmente, o olhar de despedida final para sempre! O olhar morto, que já não é olhar.

O olhar é a presença misteriosa de alguém que vela e desvela e suscita perguntas como aquela que nos assalta relativamente ao Amarelo:

 - O que é e como é ser cão?

 - O que é e como é ser o João ou a Isabel?

 - E como é o mundo visto a partir deles?

 - E eles, como é que me vêm?

 - O quê e quem sou eu realmente para eles, a partir do seu olhar?

Nunca o saberemos.

 (Esta é a minha rua. Do lado direito o prédio onde moro. A Câmara está endividada mas a cidade está bonita...)

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