HOJE É DOMINGO
(Da minha Cidade de Santarém)
OLHOS NOS OLHOS…
Por que se diz que os olhos são o
espelho da alma?
–
Porque, para além de serem órgãos de visão, no caso particular da espécie
humana, eles evoluíram para órgãos de comunicação que permitem aos seus pares
perceberem, através deles, pensamentos e estados de alma.
Lembro bem, que quando era estudante,
preferia as provas orais às escritas porque nestas me faltavam os olhos dos
professores, olhos nos olhos, para me orientarem na resposta.
Quando olhamos para uma pessoa, mesmo a
uma distância razoável, graças ao contraste entre a esclerótica (o chamado
branco do olho) e a íris, podemos ver com nitidez para onde os seus olhos estão
a apontar, independentemente do sítio para onde o seu rosto está virado.
De mais perto, podemos ver se os olhos
estão dilatados, graças ao contraste entre a íris e a pupila. Somos os únicos,
entre os primatas, que possui janelas através das quais os outros podem olhar.
Os investigadores japoneses examinaram
noventa e duas espécies de primatas e descobriram que somos a única na qual os
contornos do olho e a posição da íris são claramente visíveis. Em todas as
outras a esclerótica é pigmentada de modo a fornecer um contraste baixo. Além
disso, em comparação com outros primatas, nos seres humanos a porção do olho
visível é desproporcionalmente grande e alongada no sentido horizontal.
Os gorilas, por exemplo, sendo muito
maiores que nós, a dimensão do olho exposto é mais pequena o que faz com que os
seus olhos se pareçam a contas, ou seja: “enquanto os olhos dos outros primatas
evoluíram para serem difíceis de ver, para ocultarem e não revelarem informação
sobre eles próprios – qualquer coisa que será o equi valente
natural aos óculos escuros de sol ou de janelas com as cortinas corridas – os
dos humanos abriram-se à leitura pelos outros do que vai dentro deles.”
Com aqueles adereços, os óculos escuros,
pretendemo-nos ocultar, esconder, ver sem sermos vistos, por outras palavras: favorecem
a “segregação” e não o “igualitarismo” que permitiu aos pequenos grupos de humanos,
caçadores recolectores estabeleceram entre os seus membros a cooperação
desviando-se, neste aspecto, da sociedade dos chimpanzés.
Assim que o igualitarismo estabilizou o
suficiente nas primeiras comunidades dos nossos antepassados, logo a evolução
genética começou a conferir novas formas às nossas mentes e aos nossos corpos
de modo a funcionarem como “jogadores de uma equi pa
em vez de entrarem em competição com membros do próprio grupo.”
Estamos, assim, confrontados com o
mistério do olhar que Hegel afirmava ser “o abismo do mundo”.
Num olhar, alguém vem à janela de si
próprio e nos visita. Tapam-se os olhos aos condenados à morte porque o seu
olhar é intolerável.
Por vezes, olhamo-nos ao espelho e
perguntamo-nos: “quem é este que nos vê?”.
Essa estranheza assalta-nos até no olhar
de um animal:
-
Um cão abandonado pelos donos veio parar, há anos, ao jardim da minha rua e o
que mais me impressionou foi o seu olhar de tristeza, de desinteresse pela vida
após o abandono. O Amarelo, assim o baptizámos, foi adoptado, protegido e
cuidado por mim e pelos meus vizinhos ao longo dos anos sem que ele, no
entanto, tivesse perdido completamente o seu olhar de tristeza.
Mas temos outros olhares: de ternura,
meiguice, arrogância, terror, súplica, gozo, aquele que baila num sorriso,
disperso, concentrado, desprezo, desdém, sedução, vergonha e, finalmente, o
olhar de despedida final para sempre! O olhar morto, que já não é olhar.
O olhar é a presença misteriosa de
alguém que vela e desvela e suscita perguntas como aquela que nos assalta
relativamente ao Amarelo:
-
O que é e como é ser cão?
-
O que é e como é ser o João ou a Isabel?
-
E como é o mundo visto a partir deles?
-
E eles, como é que me vêm?
-
O quê e quem sou eu realmente para eles, a partir do seu olhar?
Nunca o saberemos.
<< Home