HOJE É DOMINGO
(Da Minha Cidade de Santarém)
A mensagem que eu herdei no tempo e na
sociedade em que nasci, foi a de que o Monoteísmo representou um enorme avanço
espiritual e religioso sobre o Politeísmo mas, vistas as coisas com mais
cuidado, fazendo as devidas comparações, talvez não tenha sido bem assim, nem o Monoteísmo seja tão Monoteísmo como se apregoa…
Aquela profusão de deuses e de deusas,
especialmente das mitologias grega e romana, cujos nomes, alguns, recordamos
dos tempos do Liceu (Zeus, o pai dos deuses, soberano do Monte Olimpo, senhor
do céu e do trovão, Vénus, deusa da formosura e do amor, filha do céu e da
terra, etc…) eram entidades que se aproximavam de nós com as suas qualidades e
defeitos, paixões, ódios, vinganças, superintendendo cada um na sua área de
intervenção, constituíam, para nós, humanos, referências, exemplos a seguir, a
amar ou a temer.
Era uma côrte de personalidades tão
complexa como eram as nossas humildes vidas e o culto que lhes era prestado
animava, preenchia, inspirava e até divertia as sociedades de então.
Mas, … há 3.500 anos iniciou-se o Monoteísmo quando um deus tirano, feroz e ciumento de quaisquer outros deuses, se
impôs a um povo que vivia então no deserto.
Esse deus chamava-se Jeová e o povo era
o Judeu.
Gore Vidal, romancista e ensaísta
norte-americano que viveu muitos anos em Itália, com vários livros traduzidos
em português, escreveu a propósito do Monoteísmo:
«O
grande mal indizível no centro da
nossa cultura é o monoteísmo. A partir de um texto bárbaro da Idade do Bronze
conhecido como Antigo Testamento, evoluíram três religiões anti-humanas – O
Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
Trata-se
de religiões de um deus do céu. São literalmente patriarcais – Deus é o Pai
Todo-Poderoso – daí o desprezo pelas mulheres desde há 2.000 anos nos países
atormentados por esse deus do céu e pelos seus representantes masculinos na
terra.»
A mais velha das três religiões
abraâmicas, e nítido antepassado das outras duas, é o Judaísmo: originariamente
era o culto tribal de um único Deus ferozmente antipático, doentiamente
obcecado por restrições sexuais, pelo cheiro de carne queimada, pela sua
própria superioridade em relação aos deuses rivais e pela exclusividade da
tribo do deserto que elegeu como sua.
Durante a ocupação romana da Palestina,
o Cristianismo foi fundado por Paulo de Tarso enquanto facção do Judaísmo menos
implacavelmente monoteísta e também menos fechada que, levantando os olhos do
meio dos Judeus os erguia para o resto do mundo.
Vários séculos mais tarde, Maomé e os
seus seguidores regressaram ao monoteísmo intransigente da versão originária
judaica, embora sem a sua vertente exclusivista.
Fundaram assim o Islamismo com base num
novo livro sagrado, o Corão ou Quran ao qual acrescentaram uma poderosa ideologia
de conquista militar para a propagação da fé.
Também o Cristianismo se propagou por
meio da espada, brandida primeiro pelas mãos dos romanos – depois do Imperador
Constantino o ter promovido de culto excêntrico a religião oficial – e
posteriormente pelos cruzados e mais tarde os conqui stadores
espanhóis e outros invasores e colonos europeus com o respectivo acompanhamento
missionário, os denominados “soldados de Deus” que substituíram as espadas pelo crucifixo.
Não é clara a razão pela qual o
Monoteísmo deve ser visto como um progresso óbvio relativamente ao Politeísmo
no sentido do seu aperfeiçoamento. De resto, o Monoteísmo, é mais de nome do
que de facto. Especialmente no ramo católico romano do Cristianismo o namoro
com o politeísmo é evidente.
À Santíssima Trindade junta-se Maria,
«Rainha dos Céus» deusa em tudo menos no nome e seguramente logo atrás de Deus
enquanto destinatária de orações.
A seguir, vem um autêntico exército de
santos cujo poder intercessor os torna, senão semideuses, pelo menos dignos de
serem abordados dentro da área da especialização de cada um.
O Fórum da Comunidade Católica oferece
solicitamente uma lista de 5.120 santos mais as respectivas áreas de
competência, que incluem dores de barriga, vítimas de maus tratos, anorexia,
traficantes de armas, ferreiros, ossos partidos, técnicos de bombas e
desarranjos intestinais, etc, etc.
Todos estes santos, por sua vez, estão
distribuídos por nove ordens: Serafins; Querubins; Tronos; Dominações; Virtudes;
Potestades; Principados; Anjos (o mais
conhecido dos quais é o nosso “anjo da guarda”) e, finalmente, os Arcanjos que
são os comandantes de todos os outros.
O que impressiona em toda esta mitologia
católica, para além de outros aspectos, é a ligeireza inconsequente com que
estas pessoas vão congeminando pormenores, tudo fruto da mais descarada
invenção.
O Papa João Paulo II criou mais santos
do que os seus antecessores todos juntos no decorrer dos últimos séculos, tendo
uma afinidade especial com a Virgem Maria.
Os seus devaneios politeístas ficaram
perfeitamente vincados quando, em 1981, vítima de uma tentativa de assassínio
em Roma, atribuiu à intervenção de Nossa Senhora de Fátima a circunstância de
ter sobrevivido: «Uma mão materna guiou a bala».
Não podemos deixar de sentir uma certa
curiosidade em saber porque não terá ela guiado a bala de forma a nem sequer o
atingir.
Outros poderão pensar que a equipa de
cirurgiões que o operou durante seis horas mereceria, pelo menos, uma parte dos
louros mas talvez as suas mãos também tenham sido maternalmente guiadas.
O ponto relevante é que não foi só Nossa
Senhora que, na opinião do Papa, guiou a bala mas, concretamente, Nossa Senhora
de Fátima.
E
então Nossa Senhora de Lurdes, Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de
Medjugorge, Nossa Senhora de Akita, Nossa Senhora de Zeitun, Nossa Senhora de
Garabandal e a Nossa Senhora de Knock, estariam todas elas, no momento do disparo,
indisponíveis com outras incumbências?
E que dizer da Santíssima Trindade, uma
espécie de um Deus em três partes, ou três em um.
E reparem no primor do raciocínio
teológico com que A Enciclopédia Católica nos esclarece esta questão:
“Na unidade do Divino existem três
Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, sendo todas verdadeiramente
distintas umas das outras. Assim sendo, e nas palavras do credo atanasiano:
-
O Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, e no entanto, não
existem três Deuses, mas sim um Deus.”
Mas, como se isto não fosse
suficientemente “claro” a mesma Enciclopédia cita ainda São Gregório o Traumaturgo, teólogo do século III:
“Nada existe, portanto, na Trindade que seja criado, nada que seja
sujeito a outrem; nem existe nada que tenha sido acrescentado como se não
tivesse existido anteriormente, mas antes tivesse sido introduzido mais tarde;
por isso, o Pai nunca foi sem o Filho, nem o Filho sem o Espírito Santo; e esta
mesma Santíssima Trindade é imutável e para sempre inalterável".
Não sabemos que milagres valeram a São
Gregório o cognome mas, entre eles, não estava com certeza, a pura lucidez.
As palavras de São Gregório carregam
aquele travo caracteristicamente obscurantista da teologia.
Thomas Jefferson, a propósito da
Santíssima Trindade, estava certo quando afirmou: «o ridículo é a única arma
que pode ser utilizada contra proposições ininteligíveis».
E mais adiante:
«Falar de existências imateriais é o
mesmo que falar de nadas. Dizer que alma
humana, os anjos e deus são imateriais é o mesmo que dizer que eles são nadas ou então que não existe deus, nem
anjos, nem alma. Não consigo pensar de outra maneira…sem mergulhar no imenso
abismo dos sonhos e espectros. Bastam-me e já me ocupam o suficiente, as coisas
que são, para me atormentar ou preocupar com as que podem de facto ser, mas das
quais não tenho provas.»
James Madison, 4º Presidente dos EUA, de
1809 a
1817, desabafava com veemência:
«Durante quase 15 séculos, a autoridade
oficial do Cristianismo foi posta à prova. Quais foram os resultados? Por toda
a parte, e em maior ou menor grau, orgulho e indolência no clero, ignorância e
servilismo nos leigos; e nuns e noutros, superstição, preconceito e
perseguição.»
Para Benjamin Franklin «os faróis são
mais úteis que as Igrejas».
No trecho de uma carta para Jefferson,
John Adams, (1º Vice-Presidente dos E.U.A e o seu 2º Presidente) escreveu:
«Quase estremeço quando penso em aludir
ao mais fatal exemplo de causas de padecimento que a história da humanidade
preservou – a Cruz. Vejam-se as calamidades que essa máqui na
de padecimento causou».
Recomendar às pessoas que utilizem a
inteligência com que a natureza as dotou para raciocinarem sobre estas "coisas" da religião como fizeram, por exemplo, as personalidades citadas, parece ser um desafio difícil de aceitar.
A grande dificuldade reside no facto das crenças estarem para além do entendimento. Correspondem a uma
necessidade ancestral quando, acreditar e obedecer, era condição de
sobrevivência da espécie há centenas de milhares de anos atrás. Os filhos pequenos que acreditavam no que os seus pais lhes diziam sobreviviam e procriavam mais e, geração após geração, ao longo de centenas de milhares de anos, os nossos antepassados evoluíram para crentes.
Terá sido, pois, um aspecto selectivo da evolução da espécie aproveitado, muito mais tarde, naturalmente, para alimentar máqui nas
de alienação e poder de uns homens sobre os outros, as religiões, correndo-se o risco de que, aqui lo que nos primórdios da
evolução foi importante para a sua sobrevivência, constitua agora
factor de risco para a sua própria continuação.
Terá sido, pois, um aspecto selectivo da evolução da espécie aproveitado, muito mais tarde, naturalmente, para alimentar má
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