A Crise é Má Conselheira
Nada fará mudar a natureza humana quando se trata de sobreviver.
São comportamentos ou reacções, talvez
mais estas, instintivas que obedecem a leis que se inscrevem em padrões de
sobrevivência muito anteriores à própria civilização.
Quando se trata de sobreviver parece que
o mundo é demasiado pequeno… os horizontes estreitam-se.
De certa forma, parece que foi isso que
os trabalhadores ingleses apoiados pelos respectivos sindicatos nos qui seram dizer aqui
há uns tempos, quando se manifestaram e fizeram greves de protestos contra a
contratação de portugueses e italianos para uma empreitada de uma empresa
francesa a operar no Reino Unido:
-… “Desculpem lá, isto não tem nada de
pessoal, mas estamos na nossa terra e temos que defender os nossos empregos…”
dizia o trabalhador inglês ao ser entrevistado para a televisão, a modos de
quem pede desculpa.
Os trabalhadores portugueses regressaram
a Portugal e ao falarem para a TV mostraram-se perfeitamente conformados,
pensando lá para com eles:
-
“…na nossa terra teríamos feito o mesmo.”
No fundo, é um procedimento de género
idêntico ao que resulta das palavras do Presidente Obama quando pede ou
estimula os seus concidadãos a comprarem americano e muitos outros países
europeus a lançaram campanhas à aquisição de bens e serviços nacionais.
É verdade que a Comissão Europeia já
assinalou que irá analisar a conformidade das novas regras americanas com os
compromissos assumidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
E também é verdade que no plano interno
europeu irá ser prestada atenção às medidas que os Estados venham a tomar em
violação do princípio da não descriminação.
É natural, portanto, que todas estas
reacções proteccionistas com repercussões no mercado de trabalho venham a
ocupar nos próximos tempos, a agenda dos que têm que tomar decisões políticas.
O Dr. António Vitorino, face a estes
comportamentos, afirma, com toda a razão que lhe assiste, que não só estamos a
tornar mais difícil a saída da crise como, igualmente, estamos a atentar contra
valores civilizacionais.
Na verdade, uma medida proteccionista
favorece no curto prazo mas prejudica no médio e longo prazo. A crise é global
e tudo quanto possa contribuir para diminuir os fluxos comerciais
internacionais de produtos e serviços, prolongará e agravará a crise.
No plano civilizacional é, realmente, um
retrocesso, um voltar atrás, ao tempo do cada um por si mas, como resistir
nestes tempos de sobrevivência a estas atitudes?
Lembramo-nos todos quando, ainda não há
muitos meses, duas cidades no norte de Portugal disputaram duramente entre si,
a instalação de uma fábrica que iria criar postos de trabalho em qualquer um
dos concelhos em que viesse a instalar-se.
Estávamos no mesmo país, até na mesma
região, mas nenhum cidadão de qualquer um dos dois Concelhos teria levado a bem
que o seu Presidente não tivesse feito tudo para “ganhar a fábrica para si”,
É inevitável… a expressão do trabalhador
inglês ao justificar a sua luta pelos postos de trabalho que iriam ser criados,
ali, na sua terra, não demonstrava nenhuma animosidade contra os candidatos
portugueses ou italianos, apenas uma reivindicação que a ele lhe parecia
completamente justa.
O Dr. António Vitorino reconhece a
delicadeza do momento e escreve:
-
“A situação em causa espelha a angústia e insegurança dos trabalhadores
britânicos perante o espectro do desemprego e revela que há dinâmicas que, uma
vez desencadeadas não são facilmente reversíveis, além de abrirem as portas
para práticas retaliatórias que, no limite, ainda agravarão mais a situação de
crise em que vivemos”.
Por extensão, podemos dizer que uma
crise financeira origina outras crises de natureza moral que tem a ver com
princípios e até com a própria racionalidade.
Graves responsabilidades para as
Organizações Internacionais uma vez que as nacionais não têm força ou coragem
para as verdadeiras soluções que nunca serão fáceis.
A
Crise é Má Conselheira.
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