quarta-feira, maio 23, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 105


 - Vai bem, coronel.
Demorou-se um pouco no grupo formado por Mundinho, João Fulgêncio e o Capitão. Nacib sentiu-se cheio de admiração pelo velho: ele devia estar se comendo por dentro, de raiva e nada deixava transparecer, aqueles que se preparavam para lutar contra o seu poder para arrancar-lhe os postos, como se fossem crianças sem juízo, não oferecessem perigo.

Sentaram-no à cabeceira da mesa, entre os dois intendentes; Mundinho vinha logo depois entre os Juízes. A comida das irmãs Dos Reis começou a ser servida.

A princípio ninguém estava completamente à vontade. Comiam, bebiam, conversavam, riam, mas havia uma inquietação na mesa, como se esperassem um acontecimento.

O coronel Ramiro não tocava na comida, apenas provara o vinho. Seus olhos miúdos passeavam de conviva a conviva. Escureciam-se ao pousar em Clóvis Costa, no Capitão, em Mundinho. De súbito quis saber porque o Doutor não comparecera e lamentou a sua ausência. Aos poucos, o ambiente foi-se fazendo mais alegre e despejado. Contavam-se anedotas, descreviam-se as danças de Anabela, elogiavam a comida das irmãs Dos Reis.

E finalmente chegou a hora dos discursos. O russo Jacob e Moacir haviam pedido ao Dr. Ezequiel Prado que falasse em nome da Empresa, oferecendo o jantar. O advogado levantou-se, bebera muito, tinha a língua pastosa, quanto mais bebia melhor falava.  Amâncio Leal segredou qualquer coisa aos ouvidos do Dr. Maurício Caíres. Sem dúvida prevenindo-o para estar atento.

Se Ezequiel, cuja lealdade política ao coronel Ramiro encontrava-se vacilante desde as últimas eleições, entrasse a fazer comentários sobre o caso da barra competiria a ele, Maurício, responder na bucha.

Mas o Dr. Ezequiel, em dia de muita inspiração, tomou como tema principal a amizade entre Ilhéus e Itabuna, as cidades irmãs da zona do cacau, agora ligadas também pela nova Empresa de Ónibus essa “monumental realização” de homens empreendedores, como Jacob, “vindo das estepes geladas da Sibéria para impulsionar o progresso deste rincão brasileiro”, frase que humedeceu os olhos de Jacob, em realidade nascido num «ghetto» de Kiev e a Moacir, “o homem que se fez à custa do próprio esforço, exemplo de trabalho honrado”.

Moacir baixava a cabeça, modesto, enquanto em torno ressoavam apoiados. Por aí foi, gastando muita civilização e muito progresso, prevendo o futuro da zona, destinada a “alcançar rapidamente os píncaros mais elevados da cultura”.

O Intendente de Ilhéus, xaroposo e interminável, saudou o povo de Itabuna, coronel Aristóteles Pires, agradeceu em poucas palavras. Observava o ambiente, pensativo. Levantou-se o Dr. Maurício, soltou o verbo, serviu-lhes a Bíblia como sobremesa. Para concluir, elevando um brinde a “esse impoluto ilheense, a quem tanto deve a nossa região, varão de insignes virtudes, administrador operoso, pai de família exemplar, chefe e amigo, coronel Ramiro Bastos”.

Beberam todos, Mundinho brindou com o coronel. Apenas Dr. Maurício se sentara e já o Capitão pusera-se de pé, uma taça na mão. Também ele queria fazer um brinde, disse, aproveitando aquela festa que marcava um passo a mais no progresso da zona do cacau. A um homem chegado das grandes cidades do sul para empregar naquela região sua fortuna e suas extraordinárias energias, sua visão de estadista, seu patriotismo.

A esse homem, a quem Ilhéus e Itabuna já tanto deviam, cujo nome estava anonimamente ligado a essa empresa de Ónibus como a tudo mais que nestes últimos anos empreendera o povo ilheense, a Raimundo Mendes Falcão, ele levantava sua taça. Foi a vez do coronel brindar com o exportador. Segundo contaram depois, durante todo o discurso do Capitão, Amâncio Leal manteve a mão na coronha do revólver.
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