sexta-feira, maio 04, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 89


 - É um homem de muita ambição. Mas como vai poder resolver o caso da barra, se nem compadre Ramiro deu jeito? – Melk falava sobre Mundinho Falcão.

A mão de Clemente acariciou a harmónica no fundo da canoa, ouviu a voz de Gabriela cantando. Olhou em torno, como a procurá-la. A selva cercando o rio, árvores e um intricado de cipós, gritos amedrontadores e pios agoirentos de corujas, uma exuberância de verde fazendo-se negro, não era como a caatinga cinzenta e nua. Um remeiro estendeu o dedo, mostrando um lugar na mata.

 - Foi por aqui o tiroteio entre Onofre e os cabras de seu Amâncio Leal… Morreu bem uns dez.

Dinheiro a ganhar naquela terra, era preciso não ter medo do trabalho. Ganhar dinheiro e voltar à cidade em busca de Gabriela. Haveria de encontrá-la, fosse como fosse.

 - Melhor é não pensar, tirar ela da cabeça – aconselhou Fagundes. Os olhos do negro perscrutavam a selva, sua voz fez-se suave para falar de Gabriela – Tira ela da cabeça. Não é mulher para tu nem para mim. Não é como essas quengas, é…

 - Tou com ela metida em meu juízo, mesmo querendo não posso.

 - Tu tá maluco. Ela não é mulher para se viver com ela.

 - Que é que tu tá dizendo?

 - Num sei… Pra mim é assim. Tu pode dormir com ela fazer as coisas. Mas ter ela mesmo, ser dono dela como é de outras, isso ninguém vai nunca ser.

 - E porquê?

 - Num sei, o Diabo é que sabe. Num tem explicação.

Sim, o negro Fagundes tinha razão. Dormiam juntos à noite, no outro dia era como se ela não se recordasse, olhava-o como aos outros, tratava-o como os demais. Como se não tivesse nenhuma importância…

As sombras cobrem e cercam a canoa, a selva parece aproximar-se mais e mais, fechando-se sobre eles. O pio das corujas corta a escuridão. Noite sem Gabriela, seu corpo moreno, seu riso sem motivo, sua boca de pitanga.

Nem lhe disse até logo. Mulher sem explicação. Uma dor sobe pelo peito de Clemente. E de súbito a certeza de que jamais voltará a vê-la, tê-la nos braços, esmagá-la contra o peito, ouvir seus ais de amor.

O coronel Melk Tavares, no silêncio da noite, ergueu a voz, ordenou a clemente.

 Toca alguma coisa prá gente, rapaz. Pra disfarçar o tempo.

Tomou da harmónica. Entre as árvores crescia a Lua sobre o rio. Clemente enxerga o rosto de Gabriela. Brilham luzes de fifós e lamparinas ao longe. A música se eleva num choro de homem perdido, solitário para sempre. Na selva, rindo, aos raios da Lua, Gabriela.


Gabriela Adormecida

Nacib a levara até casa na ladeira de São Sebastião. Apenas meteu a chave na fechadura e D. Arminda, fremente, apareceu na janela:

 - Que coisa, hem, seu Nacib? Parecia tão distinta, tão cheia de nós pelas costas, toda a tarde na igreja. É por isso que eu digo sempre… bateu os olhos em Gabriela, ficou com a frase suspensa.
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