quinta-feira, maio 03, 2012


GABRIELA
CRAVO
CANELA

Episódio Nº 88


 - Só que aquele tempo quando cujo chegava com as mãos abanando, com a cara e a coragem, e ia para a mata plantar roça, se acabou. Naquele tempo era bom… Bastava ter peito, tocar para a frente, liquidar quatro ou cinco que tinham a mesma tenção, e o cidadão tava rico…

 - Ouvi falar desse tempo… - disse o negro Fagundes. – Foi por isso que vim…

 - Não gosta da enxada, moreno? – perguntou Melk.

 - Não desprezo, não sinhô. Mas manejo melhor o pau de fogo… – riu acariciando a repetição.

 - Ainda há matas  grandes.  Lá para a serra do Baforé, por exemplo. Terra boa para o cacau como não há outra…

 - Só que é preciso comprar cada palmo de mata. Tudo está medido e registado. O senhor mesmo tem terras por lá.

Um pedacinho… –  confessou Melk. – Coisa à toa. Vou começar a derrubar a mata no ano que vem, se Deus quiser.

 - Hoje Ihéus não vale mais nada, não é como dantes. Tá virando lugar importante – lastimou-se um remeiro.

 - E por isso não presta?

 - Dantes um homem valia pela coragem. Hoje, só quem enriquece é turco Mascate e espanhol de armazém. Não é como antigamente…

 - Aquele tempo acabou – explicou Melk – Agora chegou o progresso, as coisas são diferentes. Mas um homem trabalhador ainda se arranja, ainda há lugar para todo o mundo.

 - Não se pode mais nem dar uns tiros na rua… querem logo prender a gente.

 A canoa subia vagarosa, as sombras da noite a envolviam, gritos de animais chegavam da selva, papagaios faziam súbita algazarra nas árvores. Só Clemente ia silencioso, todos os demais participavam da conversa, contavam casos, discutiam sobre Ilhéus.

 - Essa terra vai crescer demais é no dia que começar a exportação directa.

 - É mesmo.

Os sertanejos não entendiam, Melk Tavares explicou: todo o cacau para o estrangeiro, para a Inglaterra, para a Alemanha, a França, os Estados Unidos, a Escandinávia, a Argentina, saía pelo porto de Baía. Um dinheirão de impostos, a renda exportação, tudo ficava na capital, Ilhéus não via nem sobras.

A barra era estreita, pouco profunda. Só com muito trabalho – havia até quem dissesse não haver jeito – seria possível capacitá-la para a passagem dos grandes navios. E quando os grandes cargueiros viessem buscar o cacau no porto de Ihéus, então poder-se-ia falar realmente em progresso…

 - Agora só se fala num tal de seu Mundinho Falcão, coronel. Diz que ele vai resolver… Que é um homem danado.

 - Tá pensando na moça? – perguntou Fagundes a Clemente.

 - Nem me disse até logo… Nem me olhou de despedida.

 - Ela tava virando tua cabeça. Tu não era mais o mesmo.

 - Como se a gente nem se conhecesse… Nem até logo.

 - Mulher é assim mesmo. Num vale a pena.

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