segunda-feira, maio 14, 2012

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 97


O enterro tomava pela Rua dos Paralelepípedos, de quem teria sido a ideia? O caminho mais curto e mais directo era pela Rua Coronel Adami, porque passar em frente à casa onde estava sendo velado o corpo de Sinhàzinha?

Aquilo devia ser coisa do Capitão. De sua janela Glória assistia, uma bata sobre a camisa de dormir; o caixão passou sob os seus seios mal escondidos na cambraia.

Na porta do Colégio de Enoch, onde crianças comprimiam-se curiosas, o professor Josué substituiu Nhô-Galo numa das alças do féretro. Janelas cheias, comentários. Em frente à casa dos primos de Sinhàzinha estavam paradas algumas pessoas vestidas de negro.

O caixão de Osmundo ia lentamente com seu mísero acompanhamento. Passantes tiravam o chapéu. De uma janela da casa enlutada alguém exclamou:

 - Não tinham outro caminho? Não bastou ele ter desgraçado a vida da pobre?

Da Praça da Matriz, Nacib voltou. Demorou-se uns minutos no velório de Sinhàzinha. O caixão ainda não estava fechado, velas e flores na sala, algumas coroas. Mulheres choravam; por Osmundo ninguém chorara.

É preciso esperar um bocado. Dar tempo para enterrar o outro – explicou o parente.

O dono da casa, marido de uma prima de Sinhàzinha, sem esconder o seu aborrecimento, andava pelo corredor. Aquilo era uma complicação inesperada na sua vida. Afinal o corpo não podia sair da casa de Jesuíno, tão pouco da casa do dentista, não era decente. Sua mulher era o único parente de Sinhàzinha a viver na cidade, os demais habitavam Olivença; que outro jeito senão deixar que trouxessem o corpo e ali o velassem? E logo ele, amigo do coronel Jesuíno, com quem até tinha negócios.

 - Uma espiga… – Explicava.

Noite e manhã de amolações, sem falar nas despesas. Quem iria pagar?

Nacib foi contemplar o rosto da morta: os olhos fechados, a face serena, os cabelos escorridos, muito lisos, as pernas bem feitas. Desviou a vista não era o momento de olhar as pernas de Sinhàzinha. A figura solene do Doutor surgiu na sala. Ficou um instante parado ante a morta, sentenciou para Nacib, mas todos o ouviram:

 - Tinha sangue dos Ávilas. Sangue predestinado, o sangue de Ofenísia – baixou a voz – ainda era minha parenta.

Antes os olhos espantados na rua comprimida nas portas e janelas, Malvina entrou trazendo um ramo de flores colhidas em seu jardim. Que vinha fazer ali, no funeral de uma esposa morta por adultério, essa moça solteira, estudante, filha de fazendeiro? Nem que fossem amigas íntimas.

Reprovavam com os olhos, cochichavam pelos cantos. Malvina sorriu para o Doutor, depositou suas flores ao pé do caixão, moveu os lábios numa prece, saíu de cabeça erguida como entrara. Nacib estava de queixo caído.

Essa filha de Melk Tavares tem topete.

 - Tá namorando com Josué.

Nacib a acompanhou com os olhos, gostara de seu gesto. Não sabia o que lhe passava naquele dia, amanhecera esquisito, sentindo-se solidário com Osmundo e Sinhàzinha, irritado com a falta de gente no enterro do dentista, com as queixas do dono da casa onde estava o caixão da assassinada. O padre Basílio chegava, apertava mãos, comentava o sol brilhante, o fim das chuvas.
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