CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 97
O enterro tomava pela Rua dos
Paralelepípedos, de quem teria sido a ideia? O caminho mais curto e mais
directo era pela Rua Coronel Adami, porque passar em frente à casa onde estava
sendo velado o corpo de Sinhàzinha?
Aqui lo
devia ser coisa do Capitão. De sua janela Glória assistia, uma bata sobre a
camisa de dormir; o caixão passou sob os seus seios mal escondidos na cambraia.
Na porta do Colégio de Enoch, onde
crianças comprimiam-se curiosas, o professor Josué substituiu Nhô-Galo numa das
alças do féretro. Janelas cheias, comentários. Em frente à casa dos primos de
Sinhàzinha estavam paradas algumas pessoas vestidas de negro.
O caixão de Osmundo ia lentamente com
seu mísero acompanhamento. Passantes tiravam o chapéu. De uma janela da casa
enlutada alguém exclamou:
-
Não tinham outro caminho? Não bastou ele ter desgraçado a vida da pobre?
Da Praça da Matriz, Nacib voltou.
Demorou-se uns minutos no velório de Sinhàzinha. O caixão ainda não estava
fechado, velas e flores na sala, algumas coroas. Mulheres choravam; por Osmundo
ninguém chorara.
É preciso esperar um bocado. Dar tempo
para enterrar o outro – explicou o parente.
O dono da casa, marido de uma prima de
Sinhàzinha, sem esconder o seu aborrecimento, andava pelo corredor. Aqui lo era uma complicação inesperada na sua vida.
Afinal o corpo não podia sair da casa de Jesuíno, tão pouco da casa do
dentista, não era decente. Sua mulher era o único parente de Sinhàzinha a viver
na cidade, os demais habitavam Olivença; que outro jeito senão deixar que
trouxessem o corpo e ali o velassem? E logo ele, amigo do coronel Jesuíno, com
quem até tinha negócios.
-
Uma espiga… – Explicava.
Noite e manhã de amolações, sem falar
nas despesas. Quem iria pagar?
Nacib foi contemplar o rosto da morta:
os olhos fechados, a face serena, os cabelos escorridos, muito lisos, as pernas
bem feitas. Desviou a vista não era o momento de olhar as pernas de Sinhàzinha.
A figura solene do Doutor surgiu na sala. Ficou um instante parado ante a
morta, sentenciou para Nacib, mas todos o ouviram:
-
Tinha sangue dos Ávilas. Sangue predestinado, o sangue de Ofenísia – baixou a
voz – ainda era minha parenta.
Antes os olhos espantados na rua
comprimida nas portas e janelas, Malvina entrou trazendo um ramo de flores
colhidas em seu jardim. Que vinha fazer ali, no funeral de uma esposa morta por
adultério, essa moça solteira, estudante, filha de fazendeiro? Nem que fossem
amigas íntimas.
Reprovavam com os olhos, cochichavam
pelos cantos. Malvina sorriu para o Doutor, depositou suas flores ao pé do
caixão, moveu os lábios numa prece, saíu de cabeça erguida como entrara. Nacib
estava de queixo caído.
Essa filha de Melk Tavares tem topete.
-
Tá namorando com Josué.
Nacib a acompanhou com os olhos, gostara
de seu gesto. Não sabia o que lhe passava naquele dia, amanhecera esqui sito, sentindo-se solidário com Osmundo e
Sinhàzinha, irritado com a falta de gente no enterro do dentista, com as
queixas do dono da casa onde estava o caixão da assassinada. O padre Basílio
chegava, apertava mãos, comentava o sol brilhante, o fim das chuvas.
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