CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 103
Coriolano continuava, sem alterar a voz,
brincando com o rebenque:
-
Vosmicê é moço bonito e lorde, tem muita mulher, é o que não lhe falta. Eu tou
gasto e velho, minha mulher verdadeira já marchou, coitada dela!, só tenho
mesmo a Glória. Gosto dessa moça e quero ela só para mim. Esse negócio de pagar
mulher prós outros nunca foi de minha devoção.
Sorriu para Tonico Bastos:
-
Sou seu amigo e por isso tou-lhe avisando: deixe de andar por aquelas bandas.
O tabelião estava pálido, o silêncio era
tumular no cartório. Os presentes entreolhavam-se, Manuel das Onças que fora
lavrar uma escritura, afirmava depois ter sentido no ar «cheiro de defunto», e
ele possuía bom olfacto para esse odor, responsável por uns quantos cadáveres
nos tempos dos barulhos.
Tonico começou a explicar-se: eram
calúnias, miseráveis calúnias de seus inimigos e dos inimigos de Coriolano. Ele
apenas aparecera em casa de Glória para oferecer os seus préstimos à protegida
do coronel, diariamente desfeiteada por todos.
Essa mesma gente que criticava Coriolano
por tê-la hospedado na Praça de São Sebastião, numa casa onde residira sua
família, gente que virava a cara à moça, que cuspia à sua passagem, era essa
mesma gente que agora fazia intriga.
Ele só tinha querido demonstrar
publicamente sua estima e solidariedade ao coronel. Nada tivera com a rapariga,
nem mesmo intenção. Língua de mel, esse Tonico.
-
Que vosmicê não teve nada eu sei. Se tivesse tido eu não estava aqui para conversar, a conversa era outra. Mas se
teve intenção, eu aí já não boto minha mão no fogo. Mas intenção não tira
pedaço nem põe chifre em ninguém… O melhor é vosmicê fazer como os outros:
virar a cara para ela. É assim mesmo que eu gosto. E agora, que vosmicê já está
avisado, não vamos falar mais nisso.
Imediatamente começou a falar de
negócios, como se nada houvesse dito, entrou pela casa adentro, foi dar bom dia
a D. Olga, beliscar as faces das crianças.
Tonico Bastos deixou até de passar na
calçada de glória; desde então ela viveu mais melancólica e solitária. A cidade
glosava o assunto: «A cama caiu antes dele se deitar», diziam, e «caiu fazendo
barulho», acrescentavam, uma gente sem dó nem piedade essa de Ilhéus.
O aviso do coronel Coriolano servia não
apenas para Tonico: muita gente resolveu ficar nas intenções que, pelas noites
mornas, transformavam-se em sonhos, agitados, alimentados da contemplação do
busto de Glória e do sorriso descendo dos olhos para a boca, «molhado de
desejo», como versejava muito bem o próprio Josué.
E quem ganhava com isso, segundo João
Fulgêncio encerrando a narração, eram as esposas, as velhas e feias, pois, como
ele dissera ao Juiz, Glória era de utilidade pública, necessidade social,
elevando a nível superior a vida sexual de Ilhéus, tão feudal ainda, apesar do
propalado e inegável progresso…
Fechado o Parêntesis, Chega-se ao
Banquete
Apesar da curiosidade e do receio de
Nacib, o jantar da Empresa de Ónibus transcorreu em perfeita paz e harmonia.
Antes das sete horas, quando os últimos
fregueses dos aperitivos se retiravam, já o russo Jacob, esfregando as mãos,
rindo com todos os dentes, rondava em derredor de Nacib.
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