HOJE É
DOMINGO
Há um convencimento, acredito que em
sectores mais tradicionais e ligados a uma igreja conservadora e ortodoxa, para
quem a bondade, o altruísmo, a solidariedade, são qualidades mais comuns e como
que esperadas em pessoas religiosas.
Não é verdade. A bondade e a
religiosidade não têm a ver uma coisa com a outra. De resto, a bondade e o
altruísmo são comportamentos muito antigos, anteriores às religiões. Mas
vejamos o que a este respeito nos diz Richard Dawkins, doutorado em biologia,
catedrático na Universidade de Oxford e Prémio Nobel.
Em primeiro lugar, diz-nos ele, temos
comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o
carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio
mas não o único no mundo animal.
Cuidar dos parentes próximos para os
defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são
comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.
-Em segundo lugar, um outro tipo de
altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que é o
altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).
Esta teoria trazida para a biologia por
Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem
entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.
Trata-se do mesmo princípio que está na
base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.
O caçador precisa de uma lança e o
ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.
A
abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.
A selecção natural favorece os genes que
predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade
assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.
E favorece também as tendências para
lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de
troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a
sua vez de o fazerem.
- Em terceiro lugar, os comportamentos
altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama
de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem
nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como
também por alimentarem essa reputação.
- Em quarto lugar, o economista
norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo
israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à
vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação
implícita de domínio ou superioridade.
Por exemplo, os chefes rivais das tribos
do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma
abundância ruinosa.
Só um indivíduo genuinamente superior
pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.
Os indivíduos compram o êxito através de
demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o
assumir de riscos pelo bem comum.
Temos então quatro boas razões
Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para
com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em
condições que terão favorecido bastante a evolução destes quatro tipos de
altruísmo:
-
Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais recuados, em bandos nómadas discretos,
parcialmente isolados de aldeias ou de bandos vizinhos, e estas eram condições
que favoreceram extraordinariamente o evoluir das relações altruístas
familiares como factor importante para a sobrevivência do grupo;
E não só para o altruísmo de base parental
como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência com os
mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a reputação
do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.
É fácil perceber a razão pela qual os
nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu
próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.
Mas agora, que a maior parte de nós vive
em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos
indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão
bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao
nosso?
É importante não transmitir uma ideia
errada sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de
uma consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece
são regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os
genes que as criaram.
Vejamos um exemplo:
-No cérebro de um pássaro a regra
«cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e
deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de
preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos
e ficam de boca aberta são os seus descendentes.
Mas esta regra falha se outra cria de
pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.
Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode
também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade,
que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das
que existiam em tempos ancestrais.
Por outras palavras, as condições são
outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já
não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade
de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do
cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.
É como o desejo sexual que não deixa de
ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz de
reproduzir.
São ambos “tiros fora do alvo”, erros
darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.
Em tempos ancestrais a melhor forma da
selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no
cérebro não só a necessidade de acreditar, da qual já falamos, como também, o
desejo sexual e a compaixão ou generosidade.
Estas regras que ditam estes impulsos
para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito
anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se
limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um
à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua
existência.
Se voltarmos novamente a pôr a questão
de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos
ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada
ter a ver com qualquer religião.
É sempre bom compreendermos as
verdadeiras razões para os nossos comportamentos para evitarmos manipulações…
(Click na imagem das instalações dos Bombeiros, já encerradas e transferidas para uma parte nova da cidade)
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